O risco

OPINIÃO11.01.201903:27

Estávamos numa noite fria de dezembro de 2001. No luxuoso escritório de um velho prédio da Rua das Janelas Verdes, em Lisboa, Manuel Vilarinho, então presidente do Benfica, e Luís Filipe Vieira, já então o chamado homem-forte do futebol encarnado, reúnem-se com José Mourinho, então treinador do União de Leiria, e parecem acertar o essencial para o regresso à Luz do treinador que tinha deixado o Benfica sensivelmente um ano antes. José Mourinho deixa a reunião, mete-se no carro e viaja para Leiria praticamente convencido do regresso ao Benfica. Mas, afinal, não volta. E para muitos benfiquistas, talvez mesmo para Luís Filipe Vieira, em particular, o momento é de desilusão.

Não vem agora ao caso a razão, ou as razões, por que falhou aquele plano para resgatar Mourinho. O que interessa é o motivo pelo qual muito provavelmente Luís Filipe Vieira nunca mais deixou de sonhar com a possibilidade de um dia voltar a ver José Mourinho como treinador do Benfica.

Dezassete anos se passaram.

E nesses 17 anos José Mourinho tornou-se um herói no FC Porto - ganhando tudo, literalmente tudo, o que podia ganhar!... -, um mago no Chelsea, um mito no Inter de Milão, e, por fim, ainda se deu ao luxo de ser (inesquecível e inigualavelmente…) o único treinador campeão espanhol pelo Real Madrid nos últimos dez anos, com recorde de pontos na Liga e batendo, só, a que muitos consideram ainda hoje «a melhor equipa de futebol da história», esse irrepetível Barcelona de Pep Guardiola.

Se Luís Filipe Vieira sonhou nesses 17 anos voltar a ter Mourinho no Benfica, facilmente foi compreendido porque Vieira podia apenas isso, sonhar.

E hoje?

Talvez nunca, como hoje, o cenário possa ser diferente e talvez nunca, como hoje, esse sonho de Vieira possa deixar de ser apenas um sonho.

A verdade é esta: A BOLA adiantou, em primeira mão, saber que José Mourinho estará, desta vez, disponível para ouvir tudo, desde que qualquer que seja a proposta - mesmo de Portugal - ela se destine apenas à próxima época. Ou seja, que, à partida, não fechará a porta nem mesmo ao Benfica, ao contrário do cenário que se foi colocando nos últimos 15 anos - desde que deixou Portugal -, quando para José Mourinho, justificada e compreensivelmente, a sedução total sempre esteve lá fora, nos países do futebol top da Europa, fosse do ponto de vista desportivo, fosse do ponto de vista financeiro.

Não custa admitir que mesmo para um homem como José Mourinho as coordenadas sejam hoje um pouco diferentes, no sentido em que, até por razões de algum modo emocionais (por tudo o que aconteceu entre ele e as águias), voltar a treinar em Portugal um clube como o Benfica possa ser também desafio aliciante para um treinador já tantas vezes distinguido como melhor do mundo e com um incomparável lugar na história do futebol pelo extraordinário número de títulos conquistados em diferentes países (Portugal, Inglaterra, Itália e Espanha) e recordes estabelecidos.

Percebe-se, evidentemente, que Filipe Vieira possa ficar entusiasmado com a ideia de poder, finalmente, ver Mourinho como treinador de um Benfica que há muito Vieira sonha, também, recolocar num certo patamar europeu, como quase chegou a estar com Jorge Jesus, que conseguiu a fantástica proeza de chegar a duas finais da Liga Europa consecutivas, vividas, apesar das derrotas, em circunstâncias memoráveis.

Percebe-se, ainda, que perante a possibilidade - mesmo que remota - de convencer Mourinho a voltar a Portugal mais depressa do que imaginaria, Filipe Vieira sinta o coração dividido entre ele, Mourinho, e Jorge Jesus, o amigo de longa data com o qual teve tanto sucesso na Luz, e com quem se zangou em 2015 para fazer, definitivamente, as pazes menos de dois anos depois.

Apesar do muito que por aí se diz, creio que Filipe Vieira não descarta também a possibilidade de voltar a ter Jesus como treinador do Benfica, e se porventura vier a decidir-se pelo atual treinador do Al-Hilal confirmará que decide, realmente, pela própria cabeça e não liga nenhuma ao que se diz, como aliás fez questão de mostrar em 2013, quando decidiu manter Jesus à frente das águias contra o que também parecia a famigerada unanimidade de uma certa «família benfiquista», a começar por alguns dos seus dirigentes de então e de agora.

O que não se coloca relativamente a Mourinho, porém, é a realidade de Jorge Jesus estar contratualmente ligado a um clube, num país estrangeiro, onde as noticias também chegam e o clima poder tornar-se desfavorável ao treinador português, que não escondeu nas várias entrevistas concedidas no final do ano aquele secreto desejo de voltar a uma casa onde foi, realmente, muito feliz e muito feliz foi com ele, porque, queira-se ou não, foi com Jesus que o Benfica voltou a sentir o verdadeiro sabor do sucesso, depois de em seis anos ter ganho, por exemplo, tantos títulos de campeão como nos… 20 anos anteriores!

Para Jesus, a nuvem que vai escondendo a possibilidade, mais ou menos real, de regressar também ele ao Benfica, já provoca, pelos vistos, algum mau tempo em Riade, porque os responsáveis do Al-Hilal, e, de certa forma, os próprios responsáveis pelo desporto do país, querem rapidamente saber se Jesus quer ficar ou não quer ficar na Arábia Saudita, e ficar para lá desta época e não apenas até ao fim desta época.

Ou seja, o que o Al-Hilal está, de algum modo, a fazer é a encostar Jesus à parede, para que Jesus diga, em definitivo, se aceita ou não aceita renovar o contrato, porque o Al-Hilal assume claramente querer que Jorge Jesus seja o treinador da equipa pelo menos por mais dois ou três anos.

É verdade que nunca, nem aos árabes, Jorge Jesus escondeu querer voltar a Portugal, no máximo, dentro de cinco ou seis meses. Mas enquanto José Mourinho tem esse tempo para decidir o que quer fazer na próxima época, Jesus tem, provavelmente, até final de janeiro para dizer ao Al-Hilal se quer ou não continuar em Riade. O que faz muita diferença. E pode ter outra fatura!

Entre um e outro, pelos vistos, está mesmo um presidente do Benfica que por muito que saiba o que quer, talvez não saiba assim tão bem o que fazer. Vai perguntar a Mourinho se aceita treinar o Benfica?

E se Mourinho recusar?

Vai a correr convidar Jesus a voltar?

Não é manobra fácil tendo em conta que, com Mourinho e Jesus, provavelmente estará Vieira entre os dois melhores treinadores portugueses, seja por que lado do prisma se queira avaliar esse tema.

Na televisão, no programa da inigualável Cristina Ferreira, o presidente do Benfica não podia ter sido mais claro sobre o sonho de acertar contas com a história e ter Mourinho como seu treinador no Benfica

«Se Mourinho disser sim, vem já amanhã!», confessou Vieira a Cristina Ferreira, essa espécie de Cristiano Ronaldo da televisão portuguesa, confirmando ainda, de algum modo, o próprio presidente benfiquista a conversa que espera vir a ter com Mourinho, tal como anunciava, de novo em primeira mão, a edição de ontem deste jornal.

Falta saber se Vieira espera, porém, o não de Mourinho - entretanto seduzido, quem sabe, para regressar, sim, mas ao Real Madrid... - para, tendo ganho algum tempo, avançar definitivamente para Jorge Jesus, um treinador que já afirmou ser conhecido no mundo graças às águias, um treinador que se percebe nunca ter deixado de sentir uma admiração especial pelo Benfica e uma paixão especial por voltar a ganhar no clube que mais lhe deu e ao qual ele, Jesus, também mais sucesso fez alcançar, por muito que isso custe a alguns benfiquistas!

Deve, porém, Vieira saber que arrisca, se jogar mal, não ter nenhum dos dois. É o risco de quem joga!

PS: O Sporting jogou assustadoramente pouco em Tondela, e não foi certamente só por não ter Bas Dost que foi incapaz de ganhar aquele jogo. Com a derrota, o Sporting já está a oito pontos do líder FC Porto, e se perder este sábado no clássico, passa a ter menos 11 pontos que o dragão de Conceição.

Onze pontos em janeiro?

Realmente com Jorge Jesus o Sporting já não estava habituado a isso, porque, mais coisa menos coisa, e mesmo não tendo conseguido o título, passou três anos a discuti-lo até ao fim, mesmo até ao fim!

Manda, por outro lado, a justiça que alguns sportinguistas possam agora reconhecer melhor o que significou para o despedido José Peseiro ter estado tanto tempo sem Bas Dost e Mathieu e a trabalhar num clima tão desfavorável como o que lhe foi criado sobretudo depois da eleição do novo presidente. É verdade que o Sporting ainda não jogava muito quando Peseiro saiu. Mas Peseiro deixou o Sporting a 2 pontos do líder.  E nem o caminho de Peseiro se fez apenas de cardos nem o de Keizer se fará apenas de rosas!...