O regresso do público

OPINIÃO07.06.202107:00

Será uma oportunidade para os clubes mostrarem, na distribuição dos bilhetes, que o Governo esteve errado estes meses todos

EIS a notícia que há tanto esperávamos: o arranque da próxima época marcará o regresso do público (português...) aos estádios. A lotação será limitada a 33 por cento, é verdade, mas ainda assim é melhor do que nada. É até, convenhamos, compreensível que assim seja, porque não podemos (ou não devemos) ser tão otimistas que possamos pensar que em agosto a pandemia já será coisa do passado. As coisas poderão estar melhores - pelo menos é essa a expectativa à medida que o processo de vacinação vai chegando a cada vez mais escalões etários -, mas é certo que ainda não será tudo perfeito. Percebem-se, portanto, as cautelas do Governo. O que não se percebe é aquilo que ficou para trás no que ao futebol, e ao desporto em geral, diz respeito. Basta, aliás, ter estado a trabalhar no coração do Bairro Alto em qualquer sexta-feira ou sábado à noite destas últimas semanas para se perceber que é uma idiotice achar que ter aberto as competições desportivas ao público (com limitações, naturalmente) há muito mais tempo - e não apenas naquela última jornada do principal campeonato de futebol, numa medida bem travada pela Liga por tudo o que representaria, só para calar as críticas em torno da Champions no Dragão - iria constituir um perigo para a saúde pública. Acarretaria algum risco, é verdade, mas não mais (pelo contrário) do que ter centenas de pessoas em aglomerado numa rua depois da hora de fecho de bares e restaurantes. Dizer que um jogo de futebol (ou de basquetebol, ou de andebol, ou de voleibol, ou de hóquei em patins, ou de futsal) é, seja por que razão for, mais perigoso do que isto, é pura demagogia.
 Escusado será, portanto, dizer que percebo as críticas que clubes e instituições desportivas têm feito ao Governo e à forma como sempre foi respondendo com algum desprezo às suas reivindicações. E é ainda mais compreensível que tenham subido de tom quando se permitiu que uma final da Champions, entre dois clubes ingleses, tivesse milhares de adeptos (a maioria ingleses, claro) nas bancadas para satisfazer as pretensões da UEFA e dar um impulso, mesmo que passageiro - se as cenas a que assistimos nos dias que antecederam a final estiveram, mesmo que de forma ligeira, relacionadas com a decisão do governo britânico de voltar a tirar Portugal da lista verde é provável que a emenda tenha sido pior do que soneto -, à economia. Não acredito, atenção, que António Costa ou Graça Freitas, ou qualquer dos membros do Governo, tenha alguma coisa contra o futebol, mas é inegável que nunca o tratou da mesma forma que tratou outras atividades. E é essa falta de coerência, que vem de há muito tempo - pensando bem, mesmo antes da pandemia -, que merece críticas. Ainda mais quando não se percebem os critérios que conduzem à tomada de algumas decisões e que, neste caso concreto do regresso do público aos estádios, sempre pareceu uma medida discriminatória, como se achassem os nossos governantes que os adeptos fossem incapazes de se comportar durante um jogo de futebol. Há casos e casos, é um facto, mas lá está, não se portam pior (pelo contrário, mais uma vez) do que um grupo de jovens numa qualquer noite no Bairro Alto. Ou do que um bando de ingleses pelas ruas do Porto. É simples.
Bem, mas o que lá vai lá vai. O importante a destacar agora é que os adeptos portugueses poderão, finalmente, voltar aos estádios dentro de dois meses, mais coisa menos coisa. Já agora, estou curioso para perceber como vão os clubes, em especial os maiores, distribuir os 33 por cento de lotação dos seus estádios. Será uma boa altura para percebermos, exatamente, quem manda nas Direções: se os adeptos normais, que vão a um jogo de futebol para ver a bola, ou se as claques, que vão para os estádios ver o jogo de costas. E será, também, uma boa oportunidade, no fundo, para os clubes mostrarem que o Governo esteve errado estes meses todos...