O regime é o vieirismo,não o gonçalvismo 

OPINIÃO14.09.201800:45

Tudo o que aconteceu e foi dito depois de o Ministério Público ter acusado de vários crimes a Benfica SAD, o braço direito e esquerdo de Luís Filipe Vieira e dois funcionários judiciais era de esperar. Como sou um irremediável otimista ainda pensei que nem a cegueira clubística toldaria o espírito de algumas pessoas que considero, mas salvo raríssimas exceções a narrativa desenhada pela SAD arguida foi reproduzida quase ipsis verbis por todos os adeptos confessos e inconfessos do Benfica.

Importa fazer uma nota. Se a dos confessos pode ser  compreensível, já a dos inconfessos é insuportável e chega a ser mesmo um atentado que os responsáveis dos diversos órgãos de comunicação social fazem à necessária transparência. Assistir a painéis de comentadores que são apresentados como independentes, sobretudo nas televisões, a reproduzir cartilhas ou a fazer defesas cegas e até comovidas da SAD arguida é insultuoso. E até vimos agora uma novidade: advogados, também independentíssimos, que apareceram nas TVs a defender exatamente as teses da cartilha.

Há, aliás, verdadeiros fenómenos como um dr. Manteigas que conseguiu o feito de ter aparecido em todos os canais num só dia, incluindo, claro está, a Benfica TV. Que um benfiquista declarado vá à Benfica TV e a outros canais é absolutamente normal, que um suposto independente o faça é pura desfaçatez.

E que fique claro, ninguém está a defender que não pode haver mais de uma opinião sobre o caso e até ter visões diferentes sobre o conteúdo da acusação. Nada disso. Ouvi opiniões de advogados nas televisões que consideravam a acusação pouco fundamentada ou que não concordavam com este ou aquele aspeto ou mesmo com toda ela. Mas esses não estavam direta ou indiretamente ligados a clubes nem habitualmente falam na Benfica TV.

Mas voltemos à cartilha para responder ao que não tem resposta, ou melhor, a que está a ser debitada com o objetivo único de condicionar os juízes que vão sentenciar o caso através da pressão dos seis milhões que, lá está, este otimista se recusa a pensar que estão todos cegos e surdos.

Para não variar tivemos longas récitas sobre o apito dourado. Bem sei que falar desse caso é uma concessão à tática da SAD arguida, mas não resisto e não darei mais conversa a quem quer desviar o assunto.

É claro que quem faz a cartilha e a reproduz não percebe o ridículo em que cai quando relembra o caso. Todas as suspeitas em que o Benfica está envolvido, e agora acusações, são sempre comentadas com as palavras mágicas: apito dourado.

Pensando, erradamente, os benfiquistas que o FC Porto foi acusado de corrupção, desculpam o seu próprio clube e dirigentes por estarem agora de facto acusados de tal. Ou seja, a corrupção de que estão acusados nem devia ter sido feita. Melhor ainda, admitem que podem ser corruptos mas os outros também eram, apesar de nunca disso terem sido acusados. Há assim uma confissão preliminar de comportamentos que ainda nem sequer foram julgados. Bom, é lá com eles.

Entra aqui um pequeníssimo detalhe, é que em Portugal uma mentira repetida muitas vezes consegue chegar a verdade. Particularmente se essa mentira for de encontro às pretensões do clube que tudo quer dominar e que até o poder judicial pensava controlar. O detalhe é que nem o FC Porto nem a sua SAD foram acusados de qualquer crime no âmbito do processo apito dourado. Eu sei que é chato lembrar, mas a verdade pura e cristalina é essa. E já agora, é uma redonda mentira que alguém ligado ao brasão abençoado tivesse sido absolvido por erros formais ou por terem sido invalidadas escutas. As escutas foram admitidas como provas e foi também por elas que os arguidos foram absolvidos.

Em resumo, os benfiquistas pretendem desculpar as acusações de corrupção que sobre eles impendem com um processo em que um outro clube nem sequer foi acusado de tal crime. Sendo que está estabelecido e tem sido repetido à saciedade que o FC Porto foi acusado e que pessoas do clube foram absolvidas por erros formais. É extraordinário mas é uma prova clara da hegemonia comunicacional e institucional de que o Benfica desfruta neste país.

Da parte da conversa do possível desconhecimento de Luís Filipe Vieira dos atos de Paulo Gonçalves já não valeria a pena falar não fosse pela persistência com que tanta gente continua a defender o possível desconhecimento dos seus atos pelo presidente do Benfica. Mais, defendem o seu afastamento como se desaparecendo desaparecesse o problema, como se afastado o malandro que atuava sem o conhecimento do anjo arguido no processo Lex o paraíso regressasse à Luz.

Temos assim que o homem que aparecia sempre ao lado de Vieira, que representava o Benfica em tudo e mais alguma coisa, que tem o gabinete ao lado do presidente da SAD arguida, que foi referido mil vezes como o braço direito e esquerdo do arguido no processo Lex não dizia o que fazia ao presidente do clube, atuava sozinho para seu próprio divertimento, uma espécie de hobby. Cegueira é uma coisa, não querer ver é outra. Não perceberão, os que estão a defender que Vieira nada sabia das atividades de Gonçalves, o ridículo em que caiem?
Não, não havia um Gonçalvismo 2.0 no Benfica em que Vieira era uma espécie de corta-fitas. Vieira e Gonçalves não existem um sem o outro na realidade do regime que construíram. A absolvição de Gonçalves será a absolvição de Vieira e da SAD arguida, como a condenação do assessor para todo o serviço será a condenação dos outros dois.

O que se tornou insuportável é a ladainha cartilheira de que os possíveis crimes de corrupção não dizem respeito à atividade da SAD do Benfica. Como é evidente não vou entrar em tecnicidades jurídicas, mas é, no mínimo, e mais uma vez brincar com as pessoas dizer que o que fazem os gestores de uma empresa não visa sempre os objetivos dessa empresa.

Bem sei que já aqui o tinha dito na semana passada, mas assistir à cara de pau das pessoas que conseguem dizer que os arguidos SAD e Paulo Gonçalves atentavam contra a Justiça deste país por mera coscuvilhice é demais. Ora cá vai isto mais uma vez: o objetivo de uma SAD desportiva é ganhar jogos e títulos, todos os seus atos visam isso. Comprando-se um jogador, comprando-se um oficial de justiça. A diferença é que um destes atos é legítimo.