O real segredo do Benfica
Mais do que a colocação de Nuno Tavares e Grimaldo em simultâneo no lado esquerdo, a diferença esteve na atitude
J ORGE Jesus estava visivelmente satisfeito com a forma como conseguiu num só jogo, e logo em pleno Dragão, retirar o Benfica, e os benfiquistas, do estado depressivo em que tinham mergulhado depois de um início de época muito aquém das expectativas. Estava, percebeu-se pelo discurso e pelos trejeitos, orgulhoso da armadilha com que apanhou o FC Porto, anulando, com a colocação de Nuno Tavares e Grimaldo no lado esquerdo, o homem que mais desequilibra na estratégia (ainda para mais num adversário sem Otávio...) de Sérgio Conceição - Corona. Jesus arriscou (ai se corresse mal...) e deu-se bem. Pelo menos bem o suficiente para que o Benfica, e os benfiquistas, saíssem do clássico mais otimistas. Tendo em conta as últimas semanas, não é coisa pouca.
Sem menosprezar o golpe de asa do treinador encarnado, parece-me, contudo, que o segredo para aquilo a que assistimos no Estádio do Dragão esteve não tanto na estratégia, mas na atitude. Não é de agora que existe, entre os benfiquistas, uma ideia que se tornou, com o passar do tempo, numa quase certeza: nos clássicos o FC Porto parece, sempre, querer mais ganhar do que o Benfica. Não é verdade, claro que não há qualquer equipa que queira mais ganhar um jogo do que a outra, mas, convenhamos, muitas vezes parece ser assim. Porquê? É uma questão de perceção. O FC Porto, é verdade - viu-se, por exemplo, na Supertaça -, parece, nos jogos com o Benfica, correr sempre mais, bater sempre mais, chegar sempre primeiro, meter sempre o pé por cima, ganhar sempre as bolas divididas. Em suma, o FC Porto é normalmente mais intenso. Mais agressivo. E, por isso, parece sempre - em especial quando ganha, o que tem acontecido com bastante regularidade - querer mais ganhar do que as águias.
Na sexta-feira, contudo, as coisas foram diferentes. Se dúvidas houver basta olhar para as 27 faltas cometidas pelo Benfica, número bem superior àquele que a equipa de Jesus levava, em média, nas anteriores 13 jornadas. Ou para Pizzi, um jogador quase sempre demasiado macio que no Dragão fez tantas faltas que arriscou, é verdade, o segundo amarelo. Houve algures por estes dias um grito de revolta no balneário encarnado que fez com que os jogadores encarassem o encontro com o FC Porto como o mais importante das suas vidas. Que é, normalmente, como os jogadores do FC Porto encaram quase todos os jogos, em especial aqueles em que defrontam o Benfica. Foi, porventura, aí que residiu o grande segredo dos encarnados no clássico. Mais do que nuances táticas, foi a atitude da equipa que, primeiro, equilibrou o confronto, disfarçando aquilo em que as águias são normalmente mais fracas e permitindo-lhe, depois, explorar aquilo em que são, de facto, mais fortes. Pode parecer simplista, mas a verdade é que o futebol é, quase sempre, assim tão simples.
S ÉRGIO Conceição estava visivelmente insatisfeito com a forma como lhe correu o clássico. E mais insatisfeito ficou ao ouvir as declarações de Jorge Jesus, que, é verdade, exagerou na forma simplista como avaliou o domínio do Benfica, que, mesmo contra dez durante 25 minutos (incluindo os oito de descontos), não massacrou o FC Porto, ao contrário do que poderia pensar quem não tenha visto o jogo e se limitasse a ouvir o treinador encarnado. Nada justifica, ainda assim, que o técnico dos dragões tenha confrontado, em pleno relvado, Jesus, pedindo-lhe explicações sobre aquilo que acabara de dizer. É, aliás, perfeitamente natural (e Conceição já o fez muitas vezes) que os treinadores falem de jogos que só eles veem, exagerando nas virtudes das suas equipas. Há um espaço próprio para responder quando não se concorda: nas conferências de imprensa. Fazer uma cena à vista de todos não passa de uma forma de fazer com que as atenções se foquem em mais um incidente, em vez de se falar do futebol jogado de um clássico que deu, a nível tático e técnico, mais do que o suficiente para alimentar a discussão. Uma distração dispensável...