O que mudou, afinal, com Lage?
Bruno Lage rendeu Rui Vitória e de repente tudo ficou mais luminoso na Luz. Olhando para os comentários dos adeptos dir-se-ia, até, que o Benfica mudou da noite para a dia. É, percebe-se, uma ilusão. É um facto que Bruno Lage trouxe ideias novas, mas olhando, apenas, para as exibições estaremos a mentir se dissermos que se encontram mudanças assim tão evidentes. A diferença reside, essencialmente, na forma como os adeptos encarnados olham, hoje, para a equipa: com Rui Vitória um triunfo por 1-0 era olhado quase como uma derrota; com Bruno Lage o mesmo 1-0 é celebrado como uma goleada. Não é, entenda-se, uma crítica. É, apenas, futebol. Ou a prova do ponto insustentável de desgaste a que tinha chegado a relação entre os adeptos e Rui Vitória.
Uma das imagens das alterações introduzidas por Bruno Lage prende-se com a há muito pedida passagem do 4x3x3 para o 4x4x2. Foi essa mudança evidente na estreia do novo treinador no banco, na receção ao Rio Ave, com Salvio, Fejsa, Pizzi e Cervi. Mas nos três seguintes, todos fora de casa - nos Açores, com o Santa Clara, e em Guimarães, para a Taça e para a Liga -, tornou-se bem menos clara. Talvez no papel, antes de a bola começar a rolar, o desenho possa mostrar o Benfica em 4x4x2. Mas com Pizzi - que há muito perdeu as qualidades de extremo (se é que alguma vez as teve) - numa das linhas e sempre a fletir para dentro, o Benfica coloca-se, pelo menos em ações ofensivas, muito mais próxima do 4x3x3 do que do 4x4x2. Com a diferença de que, dos três homens da frente, dois jogam pelo meio. E a equipa, com Pizzi (muito) mais como terceiro médio do que como extremo, fica, percebe-se, coxa.
A ideia, entende-se, é dar consistência em jogos de maior grau de dificuldade. E isso Bruno Lage conseguiu: zero golos sofridos nas três partidas em que o Benfica assim entrou. Mas ninguém pode, nunca, ter o melhor de dois mundos. Ou, se preferir o leitor, sol na eira e chuva no nabal. A solidez defensiva vem, neste caso, com um preço, pago no capítulo exibicional. Porque nem nos Açores nem nos dois jogos em Guimarães a águia se aproximou dos níveis entusiasmantes que apresentou na tal partida com o Rio Ave. Porque lhe tem faltado profundidade, que os laterais, importantíssimos em equipas que assim se apresentam, só a espaços conseguem dar em encontros tão exigentes como os de Guimarães.
Deixemos, portanto, para daqui a umas semanas uma análise mais aprofundada daquelas que são, de facto, as intenções de Bruno Lage a nível tático - porque, admite-se, com jogos de três em três dias não teve ainda tempo para trabalhá-las e porque pode ser Bruno Lage um treinador que adapte o sistema ao adversário que tem pela frente, o que, convenhamos, não deixa de fazer sentido. Para já, o importante é que ganhou sempre. Era o que se lhe pedia, pelo menos numa primeira fase. O resto virá, talvez, com o tempo.
O que mudou, de facto, com a entrada de Bruno Lage foi a mensagem. Para fora, sim, mas em especial para dentro. Gabriel é disso o exemplo mais flagrante, mostrando uma intensidade que até agora não se lhe conhecia. Samaris - que Vitória deixou cair num inexplicável esquecimento - é outro sinal dessa nova filosofia. Parece, apesar da pouca experiência ao mais alto nível ou, como o próprio lhe chamou, da falta de estatuto, estar Bruno Lage ciente de uma verdade incontornável: os jogos (e os títulos) começam a ganhar-se no balneário, na relação que se cria com os jogadores, na forma como se lhes consegue meter na cabeça aquilo que deles se pretende no campo. Esse é o primeiro passo para o sucesso. Dando-o, a tática é, sempre, secundária.