O que espera Rui Costa
Terá mais a perder do que a ganhar, mas o presidente interino do Benfica ainda tem uma carta para jogar: tentar fazer diferente
Asaída de Luís Filipe Vieira do Benfica pela porta pequena coloca o clube numa luta maior contra o futuro imediato do que com o seu passado recente. Quem ficou para assumir o leme (Rui Costa num patamar superior e Domingos Soares de Oliveira logo atrás) saberá que nenhuma decisão tomada a partir de agora, mesmo já tendo no horizonte a devolução da palavra aos sócios, nunca será consensual: a opção de afastamento em relação àquele que foi o presidente mais longevo da história do clube será vista por muitos como a tentativa de sacudir a água do capote; por outro lado, a opção de manter lealdade pessoal e institucional com o ainda presidente suspenso e arguido da Operação Cartão Vermelho seria encarada por outros com um crime lesa-Benfica por manter vivo (usando a terminologia da alta finança que tanto se enquadra neste contexto) um ativo tóxico. Mas quem está habituado a decidir sabe bem que a pior tomada de decisão é a de nada decidir.
Anunciar a realização de eleições antecipadas, devolvendo a voz aos sócios, num horizonte temporal de dois a três meses (talvez outubro?) foi a decisão mais correta da atual Direção. Devolve alguma paz social, permite melhor planeamento da nova temporada e acalma os mercados financeiros numa altura em que a SAD tenta pagar dívida com nova dívida no tradicional modelo de empréstimo obrigacionista.
Foi, no entanto, uma decisão que aparenta ter sido forçada, como aqueles cartões amarelos que os árbitros exibem depois de muitos protestos. Tivesse no (mini)discurso de tomada de posse Rui Costa dito que desejava a realização de eleições antecipadas (pode ter sido essa a ideia que quis transmitir quando afirmou que saberia «ouvir os sócios», mas não foi suficientemente esclarecedor) e não estaria a ser acusado de querer ser uma espécie de príncipe da monarquia vieirista.
Admitindo-se que o maestro será mesmo candidato (ficaria surpreendido se não o fosse, ainda que também esteja curioso sobre o que fará José Eduardo Moniz), serão muitas as acusações que terá de rebater. Muitos porquês, essencialmente: o porquê de nunca se opor a tantas decisões de Luís Filipe Vieira agora consideradas nefastas. Este é o problema de quem fica sempre junto ao poder, mesmo num regime presidencialista: fica-se bem na fotografia quando as coisas correm bem mas quando cheira a derrota é o regime inteiro que fica em xeque e não apenas o querido líder.
Tem no entanto Rui Costa uma vantagem: tempo para mostrar que pode fazer diferente. Vamos imaginar, por exemplo, que o Benfica consegue passar as duas eliminatórias de acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões; vamos imaginar que começa bem o campeonato; vamos imaginar que chega ao final de agosto com um plantel mais competitivo e homogéneo, sem jogadores em excesso para determinadas posições (ponta de lança, extremo, médio defensivo...) e em falta para outras (lateral-direito, lateral-esquerdo, médio defensivo...); vamos imaginar que neste neste tricotar permanente que é o mercado, e tendo por base única e exclusivamente necessidades desportivas, se fazia uma boa renda. Não tenho dúvidas de que a isso, somado ao benfiquismo de sangue de Rui Costa (do contrário ninguém o pode acusar) e à boa oratória, o atual presidente interino poderia merecer o benefício da dúvida de um número suficiente de sócios que lhe valesse uma vitória na urnas.
Mas vamos imaginar que o Benfica falhava apenas uma única das envolventes acima mencionadas: aí a reserva de confiança que ainda lhe resta poderia cair por terra e os sócios (e por arrasto a generalidade dos adeptos) teriam pela primeira vez nos últimos 25 anos a experiência de ver, ouvir e ler gente que parte do zero (um nome que não represente a continuidade, entenda-se) para tentar assumir o clube. É certo que da última vez que tal aconteceu Vale e Azevedo foi o vencedor (contra Luís Tadeu e Abílio Rodrigues), mas os tempos são outros - foi a retórica do fantasma de Vale e Azevedo, aliás, que Luís Filie Vieira usou sempre que enfrentava oposição e a verdade é que esse discurso ajudou-o a cristalizar-se no poder. Mal de um clube em que a disputa democrática é sinal de instabilidade.