O primeiro dia do resto de uma época
Hoje é primeiro dia do resto de uma época que Luís Filipe Vieira, em convívio com adeptos do Sport Newark e Benfica, prometeu ser de regresso ao ciclo vitorioso e à hegemonia do futebol. Promessa anódina, sobretudo se feita em ambiente familiar, entre gente do mesmo clube, embora suficiente para provocar uma reação alérgica no presidente portista, estranhamente célere a contrapor através de gracejos vindos do nada e debitados igualmente em local a condizer, na Afurada Não se percebe a relação, porque não há, mas tudo serve quando o propósito é lançar achas para a fogueira da discórdia. Um estratagema que vem de longe…
Vieira disse mais em Newark, apresentando o Benfica como «um clube moderno, organizado, responsável, sustentável, credível e preparado para continuar a vencer».
Para que essa aspiração possa ser alcançada, cerca de um mês antes, o presidente, em assembleia geral mais agitada do que se supunha, não só protegeu o treinador das críticas que lhe foram endereçadas, consequência de uma temporada desportiva que espalhou a desilusão no emblema da águia, mas também anunciou maior investimento no futebol e afirmou que Rui Vitória iria ter os reforços que solicitou.
Nesta altura, porém, julgo não haver condições para se saber se já foram satisfeitas as pretensões do treinador em matéria de entradas e saídas. Ao refugiar-se no seu voto de silêncio é verdade que Vitória não se compromete, mas também nada esclarece. É como se não tivesse vontade própria, o que, em clube de grande dimensão e exposição, reverte em desfavor dele próprio.
Não se lhe pede que copie Sérgio Conceição, identificando meia dúzia de jogadores sem capacidade para representarem o FC Porto, tão-pouco que imite José Mourinho, denunciando a existência de uma lista de reforços para o Man. United por ele elaborada. Ambos os procedimentos, apesar de normais, precisam de uma personalidade forte a suportá-los.
A Rui Vitória, insisto, não se lhe pede tanto, mas seria desejável que, no mínimo, se tivesse pronunciado sobre o fracasso do penta e se, sim ou não, se ficou a dever às vendas de Ederson, Nélson Semedo e Lindelof. Se mais alguma coisa houve que ficou no segredo dos gabinetes. Enfim, dúvidas que vão diluir-se na poeira do tempo. É pena, porque os adeptos gostariam de saber mais acerca do passado recente para melhor entenderem o presente.
A única novidade a que Rui Vitória deu publicidade nos Estados Unidos foi a de que o plantel não estava fechado, advertindo de imediato nenhuma palavra adiantar sobre as posições deficitárias. Para quê? Qualquer curioso minimamente informado identifica os débitos da equipa. Para dizer o que deveria ter dito e não disse, melhor seria ficar calado.
É (quase) calado que continua para não se pronunciar sobre a eventual saída de Jonas. Ontem, na conferência de Imprensa, comunicou a sua exclusão dos convocados para o jogo desta noite. Foi uma decisão sua, ponto de exclamação. Sim, claro, mas… o que se passa? Dores nas costas? Talvez? Proposta irrecusável da Arábia? Sim. Jonas quer sair ou renovar? Segredo. O Benfica que renovar ou ver-se livre dele? Outro segredo.
Vitória garante que quem decide é ele, mas, olhando para este plantel, não é preciso ser-se sábio para verificar que vale mais Jonas com dores nas costas do que outros cheios de saúde, como os jogos de preparação retrataram com inquestionável nitidez.
Hoje, é o primeiro dia do resto de uma época. Estádio da Luz lotado e entusiasmo das pessoas em níveis elevados. Rui Vitória só tem um saída: encontrar a chave para entrar na Liga dos Campeões, com as mordomias desportivas e financeiras que isso representa, e manter intensamente viva a recuperação do título.
Se falhar o primeiro objetivo, falha o segundo pela razão simples de perder a confiança da família benfiquista. A realidade pode ser fria e cruel, mas é mesmo assim.
Para Vitória, a época pode acabar no fim deste mês. Já o escrevi, e os sinais que recebi na volta do correio foram de estúpida severidade. É esperar para ver…
A saída de Jonas, a confirmar-se, é um rombo de muito difícil reparação, mas, mesmo sem ele, o plantel reúne valor para eliminar, como é sua obrigação, sublinhe-se, o Fenerbahçe e quem se lhe seguir. O problema está em formar uma verdadeira equipa, em vez de se contarem onze elementos e pô-los a jogar ao mesmo tempo. Mesmo sem Jonas a qualidade está lá, mas os exercícios práticos já realizados empolgaram pouco.
Vitória ainda não descobriu o ponto de equilíbrio entre as táticas que pretende aplicar e as características dos seus jogadores. Eis o dilema de um treinador: subordinar os jogadores às táticas ou adaptar as táticas aos jogadores. Dá a sensação de ele querer ir por ali, mas o caminho é por aqui…