O presidencialismo à beira do fim
Provavelmente, a era pós Pinto da Costa marcará o fim do modelo de poder unipessoal no futebol português. Resta saber o que irá mudará mais...
PORTUGAL tem no futebol um dos setores mais desenvolvidos e claramente acima da média europeia. Não é, ao contrário do que muitos pensarão, uma coisa menor. Nenhuma coisa é menor quando as sociedades a valorizam. Nenhuma coisa é menor quando tanto importa ao homem e às suas comunidades.
Importará, no entanto, perceber por que razão Portugal tem no futebol uma exceção a uma regra de défice de valor na economia, na qualidade de vida do povo, na no respeito pelos valores artísticos, no empreendimento empresarial, na organização e planeamento das instituições, em relação à Europa e ao mundo mais desenvolvido. Porquê o futebol?
Confesso que não conheço estudos de valor científico reconhecidos sobre a questão. A maioria dos investigadores terá até algum receio de que a escolha de um tema tão “pobre” os possa diminuir aos olhos dos guardiões de um padrão académico demasiado tradicional e de preocupação erudita.
Um observador atento, mesmo sem dados disponíveis, dirá que a principal razão do crescimento do futebol português e do alto patamar que atingiu na Europa se deve, apesar das suas limitações económicas, ao facto de ser de manifesto interesse de uma maioria de cidadãos que o segue de forma apaixonada, que escrutina a sua qualidade, que impõe uma política de exigência que, aliás, não é seguida em qualquer outro setor da vida pública.
De facto, os principais clubes portugueses tiveram de adaptar-se a uma congênita inaptidão portugeusa para planear e organizar, criando modelos de lideranças unipessoais (o presidente), investindo no conhecimento dos seus técnicos (não apenas treinadores de furebol), criando condições de particular qualidade nas infraestruturas, consolidando políticas de equilíbrio financeiro à custa da criação de mais valias com a exportação de jogadores “fabricados” nas qualificadas cadeias de produção dos seus clubes.
Pinto da Costa, presidente do FC Porto
É verdade que esse poder unipessoal criou dependências e vícios que, à partida, pareciam condicionar o desenvolvimento. No entanto, dentro de uma realidade portuguesa que experimenta em muitos outros setores, em especial nos setores do Estado, um imobilismo bloqueador do crescimento e uma confrangedora incapacidade de decisão em tempo útil, o recurso a modelos de poder unipessoal tem vindo a constituir uma oportunidade de diferenciação pela positiva.
É, porém, fundamental perceber que as pequenas evoluções podem ser contínuas, as médias evoluções serão, eventualmente, reformistas, mas só a coragem do corte com as rotinas, que obriga a uma descontinuidade, provoca um salto no desenvolvimento.
Julgo que nos estamos a aproximar do tempo em que essa descontinuidade se irá tornar, mais do que necessária, inevitável, sendo que o momento de transição se poderá antever como o da era pós Pinto da Costra que, de resto, já vai sendo falada, sobretudo, nos salões privados do pensamento da altas figuras portistas.
Há sinais de mudança, no que respeita a lideranças unipessoais, em clubes como o Sporting e o Benfica que, cada vez mais, seguem uma linha de administrações de competências pluridisciplinares e que se sentem confortáveis com um domínio mais alargado da ação do treinador (algo que o FC Porto também segue).
Será assim previsível que o futebol português esteja à beira de uma rutura com o seu tradicional presidencialismo e o que importará também conhecer será a forma como essa mudança implicará na necessária transformação de outros organismos e instituições.
DENTRO DA ÁREA – NÃO HÁ DERBIS DESINTERESSANTES
Todos os derbis são diferentes, mas nenhum será pouco significante. Há sempre razões para tornar um derbi especialmente atrativo e capaz de suscitar as maiores expectativas. Desta vez, em Alvalade, o Sporting procura a sua afirmação perante o eterno rival, ao mesmo tempo que quer manter vivo um sonho, mesmo que improvável de repetir o título de campeão em anos consecutivos. Quanto ao Benfica, traz o balanço de Anfiel Road e a sagrada esperança de emendar de terminar o campeonato com a dignidade da sua História.
FORA DA ÁREA – A MORTE DA SENHORA TEATRO
Moniz Pereira era o senhor atletismo e Eunice Muñoz era a Senhora Teatro. Noventa e três anos de uma vida luminosa e oitenta anos de uma carreira brilhante, que teve apenas a geográfica contrariedade de ter tido o seu maior palco em Portugal. Azar o dela, cujo talento merecia ter sido apreciado em todo o mundo, mas sorte a dos portugueses que tiveram o privilégio de tantas vezes a ver em representações memoráveis. A cultura portuguesa está de luto e ainda é na morte de alguns dos seus maiores vultos que o país se lembra dela.