O preço!

OPINIÃO12.11.202105:55

O que é que não se perdoa a Jesus? Ser como é ou ter voltado ao Benfica?

NÃO me recordo, com franqueza, de ver, entre nós, um treinador ser tão atacado, tão questionado, tão criticado, tão acusado  como tem sido, desde que regressou ao Benfica, Jorge Jesus, bem ao contrário do notável desfile de elogios que se desfiava em volta do homem enquanto dirigiu, com o épico sucesso que a história não apagará, a equipa brasileira do Flamengo. Até parece que o problema não é tanto Jorge Jesus, mas este Jorge Jesus regressado ao Benfica, com a responsabilidade de o próprio Jesus ter chegado a prometer tantos mundos e acabado por viver, a época passada, tantos fundos. 
Será que continua a reconhecer-se a qualidade e competência de Jorge Jesus como treinador? Ou apenas não se reconhece a de Jorge Jesus treinador do Benfica? O que é que afinal não se lhe perdoa: ser como é ou ter voltado à Luz? 
Se Jesus tem ficado no Brasil, lá longe, continuaria a ser olhado como um dos grandes treinadores portugueses de sempre; mas cometeu a ousadia de aceitar voltar ao Benfica e essa ousadia parece ter entornado, de vez, o caldo. Pode, na verdade, Jesus reclamar (como Mourinho, lembram-se?) de um pouco mais de respeito pelo que representa a sua carreira, que a malta parece não querer saber disso para nada. O homem até parece amaldiçoado (pensem bem e vejam se não parece...), tão amaldiçoado que, no último domingo, para saborear uma boa exibição com goleada sobre o SC Braga teve de sentir o amargo da dura e grave lesão de Lucas Veríssimo, só um dos melhores jogadores da equipa.
Jesus paga por ter voltado à Luz, paga pelo que diz e pelo que não diz, e o que diz ninguém se dá ao trabalho de interpretar como se interpreta o que dizem outros, e paga pelo que faz e pelo que não faz; até paga pelo cabelo que tem e por ter mais de 60 anos, imagine-se, e talvez, quem sabe?, pague ainda (a inveja é, realmente, uma coisa muito feia) por não ter estudado, por não se ter licenciado ou doutorado, por falar (como dizia Eusébio) muito melhor no campo do que ao microfone, e, mesmo assim, ter conseguido, no futebol, chegar onde chegou e ganhar o que já ganhou.
Jesus é o que é e já não muda. Ninguém pode esperar que passe a falar melhor e a dizer sempre as coisas certas. E o Benfica tem de saber conviver com as virtudes e os defeitos do seu treinador.
Não imagino se, no futuro, o Benfica quer continuar com Jorge Jesus ou se Jorge Jesus quer continuar no Benfica. Sei que estarão ambas as partes em excelentes condições no final da época para tomar a decisão que entenderem uma vez que se conclui o contrato. E o final de um contrato dá sempre grande liberdade para decidir.
Em qualquer caso, o que também parece absolutamente inquestionável é que o Benfica deve (por todas as razões e mais uma) fazer a defesa intransigente de Jorge Jesus enquanto Jorge Jesus estiver ao comando do Benfica, mas não foi isso que pareceu fazer, agora que tanto se comentou e especulou sobre alegadas más relações no interior da equipa, nomeadamente entre o treinador Jesus e um dos capitães de equipa, o argentino Otamendi.
Primeiro, por não ter desmentido imediatamente o que foi tornado público, o Benfica deixou que a dúvida ganhasse corpo; depois, por não ter posto, como, a meu ver, devia, Otamendi ao lado de Jorge Jesus quando Jesus deu a conferência de imprensa de antevisão ao jogo com o SC Braga também isolou o treinador. Se o tivesse feito, teria acabado com o assunto de uma vez. Assim, deixou que fosse apenas Jesus a dar o peito às balas, como se as balas dirigidas ao treinador (parecem, realmente, balas para o treinador) não sejam balas que atinjam os interesses do Benfica.
Têm os clubes, nestes casos, a tendência para se defender com o argumento de que «não podem, nem devem» andar a desmentir tudo o que é dito ou escrito. Em teoria, e regra geral, aceita-se. Mas não creio que esse seja argumento que se aplica quando o que é posto em causa são as relações entre profissionais do clube e a imagem do próprio clube. Desmentir conflitos internos não é bem o mesmo que desmentir alegados interesses, negociações ou transferências de jogadores. Ou é?
Estará o Benfica (a troco de quê?) disponível para desperdiçar a época, deixando que se acentue a instabilidade (seja ela provocada de dentro ou criada de fora) só porque o dirigente A, o jornalista B ou o comentador C não gostam do treinador, ou vai defender o treinador e a equipa com tantas unhas e dentes quanto as que o clube tem espalhados pelos órgãos sociais e estrutura profissional da SAD, e por todos os que, volta e meia, são convidados (como benfiquistas, presume-se) para o camarote presidencial da Luz?! 
O Benfica sabe muito bem (sabe o Benfica e sabem todos os clubes) que só pode aspirar a ganhar alguma coisa se toda a gente, com a força que tem, puxar a mesma corda. No FC Porto, por exemplo, quando, em janeiro de 2020, Sérgio Conceição acusou o clube de falta de união interna, sabia que estava a tocar no essencial e o alarme soou. Em maio, foi campeão. Não quer, evidentemente, dizer que resulte sempre. Mas sem união, não resulta nunca!

Ojovem internacional colombiano Luis Díaz está verdadeiramente em alta, na Liga portuguesa, na Liga dos Campeões e, também, na seleção, que tão bem representou na última edição da Copa América, que concluiu como melhor marcador e jogador-revelação. Aos 24 anos, Díaz mostra-se à Europa, com um talento (tem tudo, técnica, velocidade, visão, remate, golo) que o deverá levá-lo a outro nível muito em breve.
Díaz é outro exemplo do que aqui deixei escrito na última semana, sobre a capacidade de o FC Porto ser paciente com muitos dos jogadores em que aposta, como é, também, o caso, cada vez mais evidente, do jovem brasileiro Evanilson, tão paciente do ponto de vista desportivo como absolutamente desarticulado a cuidar dos contratos de jogadores como Corona, na linha do que já sucedera, aliás, com Herrera, Brahimi, Marcano, Marega...
Mas é Luis Díaz, agora, a estrela. Chegou ao FC Porto em 2019, com 22 anos, está, portanto, já na terceira época com Sérgio Conceição, e, ainda que nunca tenha deixado de mostrar qualidades, só agora, na terceira época com o FC Porto, chega a este sólido, estável e regular nível de exibições, exatamente o que distingue os bons dos grandes jogadores.
No Benfica, Everton Cebolinha está ainda na segunda época na Luz, e na primeira (com uma histórica, inesquecível e dramática pandemia) Everton enfrentou o que nenhum jogador da casa deseja voltar a enfrentar quanto mais um jogador chegado, como ele, de fora.
Está na cara, parece-me, que Cebolinha tem para dar ao Benfica muito mais do que aquilo que já mostrou, mas esse muito mais, creio, vai certamente depender muito da paciência que o Benfica tiver com o jogador, como o FC Porto, por exemplo, mostra ter com muitos dos seus maiores craques.
Outro exemplo: Paulinho tem 28 anos, custou mais de 20 milhões de euros ao Sporting, leva um golo na Liga e três na Liga dos Campeões e Alvalade continua, como deve, a ser paciente; Darwin Núñez tem 22 anos, custou 24 milhões de euros, leva cinco golos na Liga e três na Liga dos Campeões e não falta quem lhe aponte os defeitos ou quase o acuse de ser um flop. Dá para entender? 

CRITICAM-SE treinadores por justificarem algumas das coisas que acontecem com as suas equipas com a falta de tempo para recuperar da intensidade competitiva e da densidade dos calendários. Pois bem, era bom que compreendêssemos melhor a realidade, porque mesmo as grandes equipas não deixam, por vezes, de sofrer com isso.
Depois da última jornada europeia, por exemplo, o Liverpool perdeu, o Chelsea não foi capaz de ganhar em casa, o Barcelona, o Atlético de Madrid ou o Ajax também não venceram, o Real Madrid, o Bayern e o PSG viram-se e desejaram-se para ganhar a adversários bem mais modestos, enfim, mais coisa, menos coisa, todos pagam alguma fatura, porque a Liga dos Campeões não suga apenas o físico dos jogadores, talvez mais importante do que isso, suga-lhes a alma e a mente. Razão teve Jesus com a estratégia de Munique, que em teoria lhe permitiu, como ele disse, começar no jogo com o Bayern a ganhar o jogo ao Braga (desgraçadamente goleado, como se viu, também por não ter pernas).
Trata-se, pois, de defender maior tolerância quando se trata de analisar o que fazem as nossas equipas, porque a cultura de um futebol começa na cultura dos adeptos, dos dirigentes e dos que observam, analisam e comentam este apaixonante fenómeno que é o futebol. Se não formos capazes de mudar a nossa mentalidade também não seremos capazes de mudar o nosso futebol! 

PS: Foi seguramente graças a Ricardinho que muitos de nós passaram a ver o futsal com outros olhos. E a gostar cada vez mais do que viam. Isso diz muito do que ele representa para o desporto português. Um dos maiores!