O paradoxo de Teseu

OPINIÃO31.01.202003:00

A BOLA

Na quarta-feira, quando comprei este jornal e mirei a capa desse dia, quase tive um choque. De repente, aquele grafismo, plasmado numa folha branca em que só os títulos e as caixas gozam de permissão para se intrometerem de encarnado no negro dos textos, fez-me voltar aos tempos de menino, quando comecei a ler A BOLA. Só faltou o formato broadsheet para, por uma última vez, reviver as sensações de um mundo e de um tempo já irreversivelmente extintos. E eu, que sou a antítese do saudosista, sinto pena que este jornal não possa voltar a exibir aquele estilo inconfundível, recusando a panóplia cromática que nos dias de hoje todos usam. Há até um fundamento sólido para tal - por sinal o mesmo que levava alguns monges a viver sob uma regra que lhes impunha o silêncio: «o que não é deformado não carece de ser reformado».
Parabéns - e obrigado! - a quantos hoje fazem A BOLA. Nenhum está no jornal há 75 anos. Mas todos levam o encargo de o fazer nos próximos 75 anos.

Bruno Fernandes

Realmente, o que tem de ser tem mesmo muita força. O melhor jogador a actuar em Portugal mudou-se para uma medíocre, ou, vá lá, mediana equipa inglesa. Mas o Manchester United, além de ter dólares, muitos dólares (não euros ou libras), tem nome e prestígio. Não duvido que o português vai lá chegar e tomar de assalto o comando do jogo da equipa. Está maduro, sofreu muito, tem carácter (foi bonita de se ver a comoção com que se despediu do Sporting, embora não fosse, nem fingisse ser, leão desde pequenino) e não precisa de períodos de adaptação coisa nenhuma. Só tem de procurar a bola, fintar o primeiro, passar por um segundo para a receber mais à frente e fazer uma assistência ou rematar para golo. Afinal é tudo muito simples. Desde que se tenha categoria para tal. E isso é coisa que não falta a Bruno.

Ainda é a mesma equipa?

Há praticamente dois milénios que Plutarco, historiador e filósofo grego, nos obriga a meditar sobre a relação entre mudança e identidade, usando para esse efeito o chamado paradoxo de Teseu, que talvez possa assim ser sumariado: o navio em que o mítico rei fundador de Atenas retornou de Creta foi conservado ao longo dos tempos pelos atenienses, pelo que as suas tábuas mais antigas foram sendo removidas por novas e mais resistentes madeiras em lugar das originais. Até que nenhuma peça era já original. A partir daqui o navio tornou-se um exemplo para os filósofos discutirem a questão lógica das coisas que mudam (ou não). Com tantas reformas, o navio era ainda o mesmo? Mais ainda: se com a madeira velha fosse construído outro barco rigorosamente idêntico, qual dos dois seria o original - o que foi feito depois com as peças originais ou aquele primeiro que foi restaurado?

O dilema enunciado pode ser replicado, por exemplo, na relação entre um plantel e o onze inicial: se uma equipa mudar de treinador e este substituir todos os jogadores até aí titulares, o que há de comum entre o primeiro conjunto e o segundo? Não falando já de equipas que, em resultado de uma chicotada psicológica, sofrem uma autêntica metamorfose. O caso mais recente, e também mais evidente, é o que se está a passar com o Sporting de Braga. Os jogadores são quase todos os mesmos, mas a maneira como agora jogam é radicalmente diferente. E os resultados também. É outra equipa?

Do lado sombrio

Chegou a hora em que melhor seria que o tempo não contasse. O tempo em que quem caiu não só se levanta como o faz com uma vontade férrea em querer chegar mais alto. Afinal, até aquilo a que comummente se chama o lado escuro da lua é apenas uma fase, resultante dos movimentos de translação e rotação da Terra e do seu satélite. O que sucede amiúde é quem perde essa noção acaba também perdido na escuridão impenetrável de um labirinto sem saída. Tudo isto, porém, não se aplica, está bem de ver, ao FC Porto. Por isso, hoje não encontrei nem motivo nem pretexto para falar do clube do meu coração.

Da cabeça aos sapatos

Os futebolistas apreciam deveras dizer, em tempo de derrotas, que «agora é preciso levantar a cabeça». Mais assertivo e elegante seria, porém, repetir o conselho uma vez dado por Christian Louboutin, um dos mais famosos criadores de calçado em todo o mundo: «Se alguma vez baixar a cabeça que seja para admirar seus sapatos.»

Entrevista imaginária

- Que balanço faz da operação de reestruturação?
- Balanço? Operação? Reestruturação? Então não era suposto ser uma autópsia?