O papel do desporto na sociedade atual

OPINIÃO15.06.202004:00

A sociedade portuguesa, que respondeu de forma globalmente positiva aos desafios da pandemia, atravessa tempos que estão a propor desafios diferentes daqueles com que tradicionalmente teve de lidar, em democracia. Depois de quatro décadas sem grandes ameaças extremistas, a situação está a mudar e o campo apresenta-se cada vez mais fértil para que propostas radicais, à direita e à esquerda, tenham mais condições de vingar, cada uma potenciando, paradoxalmente, a outra. A recente vandalização da estátua de Padre António Vieira, reveladora de fundamentalismo e ignorância, sectarismo e estupidez, revelou como são farinha do mesmo saco aqueles que querem impor uma razão, como se alguém dela fosse dono.

Sondagens recentes dizem-nos que as tendências radicais estão a ganhar espaço no espetro eleitoral e se pensarmos em exemplos exteriores, não só nos Estados Unidos e sobretudo no Brasil, mas mais perto, no contexto da União Europeia, na Polónia e na Hungria, aconselham-se comportamentos adultos e responsáveis, suscetíveis de unir em vez de desagregar, sob risco de uma derrapagem fatal. 

E é neste particular que o desporto, e em primeiro lugar o mais popular de todos, o futebol, pode ter um papel temperador, sem acirrar ódios e servindo de escape para um dia-a-dia que vai chocar de frente com aquilo que Marcelo Rebelo de Sousa apelidou de crise brutal. Portugal já tem com que se preocupar para ser massacrado com ataques e ofensas entre clubes, que colocam os seus seguidores mais sugestionáveis em estado de guerra contra adversários transformados em inimigos. Eu até percebo que as relações entre pessoas sejam más, o que não entendo é que essa animosidade seja transportada para o plano institucional, com tremendos danos e nenhumas vantagens.

Mas cedo ou mais tarde, esta ideia, baseada no civismo e na urbanidade - que vemos nas relações entre os clubes de Espanha, Itália, Alemanha, Inglaterra ou França, só para referir os Big Five - chegará a Portugal. Infelizmente, creio que será tarde demais para aquilo que são as necessidades urgentes do futebol português, tendo em vista o desafio que é não perder contacto com o pelotão da frente do futebol europeu. Por este caminho, será uma causa perdida.