O Panda!

OPINIÃO26.04.201904:00

NO futebol do mais alto nível, não deve haver entre os treinadores muitas histórias como a de Bruno Lage, que ao fim de mais de 300 jogos no Benfica como técnico de diferentes escalões de formação teve a súbita e inesperada - e, ao mesmo tempo, absolutamente extraordinária - oportunidade de liderar a equipa principal. Claro que todos os treinadores têm o seu percurso, mais ou menos longo, na formação ou nas divisões inferiores do futebol profissional, e há até os que têm a sorte de começar mais ou menos por cima logo que acabam, por exemplo, a carreira como jogadores ou que assumem o papel principal depois de terem sido apenas adjuntos de outros treinadores.


O que quero dizer é que não é muito normal ver-se um treinador chegar ao comando de uma grande equipa depois de praticamente ter treinado apenas equipas de escalões de formação ainda por cima desse mesmo clube, e muito menos a uma grande equipa que discute verdadeiramente títulos como é o caso do Benfica, e é o caso, presente, deste Benfica e de Bruno Lage, que se vê na luta pelo título de campeão português, depois de se ter visto também na luta - que desperdiçou - pelos títulos de competições como a Taça de Portugal ou a Liga Europa.


O mais vulgar em clubes como o Benfica ou o FC Porto, mas também nos Benficas e FC Portos de outros países, é vermos serem contratados para o topo da pirâmide técnica treinadores ou que já mostraram trabalho nas principais competições e que já comeram muito do pão que o diabo amassou, ou que acumularam experiência, ainda que em papéis secundários mas, em todo o caso, em exigentes despiques, ou que, pura e simplesmente, foram sendo preparados com a teórica precisão de um relógio suíço para virem, um dia, a ser, comandantes principais.


Foi, por um lado, o caso, por exemplo, de José Mourinho, que chegou ao comando do Benfica depois de ter trabalhado alguns anos apenas como adjunto de equipas técnicas no Sporting, FC Porto e Barcelona, ou, por outro lado, dos espanhóis Guardiola e Luís Enrique, ou do francês Zidane, que passaram, respetivamente, pelas equipas B de Barcelona e Real Madrid com o objetivo de chegarem um dia, como sucedeu, à equipa principal.


É por isso que dificilmente alguém poderia esperar o invulgar caso de Bruno Lage. Creio, com franqueza, que nem o próprio, seguramente, esperaria que só o percurso na formação do Benfica desse para chegar desta maneira à equipa principal. E, repito, entre os treinadores que chegam ao comando das principais equipas, das grandes equipas, das que discutem verdadeiramente os títulos, serão certamente poucas as histórias como a de Bruno Lage. O Benfica já viveu outros momentos em que precisou de recorrer aos chamados treinadores interinos e a verdade é que nenhum treinador interino esteve muito tempo no papel principal.


Com todo o respeito, Bruno Lage passou - como diria Jorge Jesus - de um carro de turismo para o volante de um Ferrari. E percebendo-se que tem ótimas qualidades como condutor não tem ainda - creio que nem poderia ter - a experiência de um grande piloto.

COMPREENDE-SE, pois, que Bruno Lage precise de acumular mais experiência, porque só a experiência o vai fazer crescer como treinador, e só crescendo como treinador vai ganhar calo, e só com mais calo vai ganhar mais capacidade para gerir tudo aquilo que envolve a vida do treinador de uma grande equipa de futebol, que não tem, obviamente, nada a ver com a vida do treinador de uma equipa que não luta por títulos, quanto mais com a vida do treinador de  uma equipa B, mesmo que essa equipa B seja, como era o caso com Lage, a equipa B de um grande clube.


Mas não deverá a tolerância com a falta de experiência de Bruno Lage corresponder, também, à compreensão do próprio Bruno Lage que do treinador de uma grande equipa se espera que seja mais, muito mais, do que apenas um bom treinador, e se espera que seja capaz de compreender que comunicar bem é hoje quase tão importante como liderar bem e que se há momentos para falar da família, do filho ou dos mais ou menos discutiveis gostos pelo canal Panda não são propriamente os momentos em que, muito por culpa própria, se levou a equipa a dois marcantes insucessos consecutivos, como foram os insucessos com o Sporting, na Taça de Portugal, e Eintracht Frankfurt, na Liga Europa.

NÃO sei o que pensou Bruno Lage quando pegou no Ferrari do Benfica; mas desconfio que não fosse muito diferente do que pensava, naturalmente, a maioria: que seria o condutor interino e o condutor interino é, quase sempre, o condutor por pouco tempo; às vezes, por muito pouco tempo.


Sucedeu com Lage, porém, o que também não é muito normal suceder; ter levado a equipa a recuperar posição de discutir o título (e, mais do que isso, a liderança do campeonato), depois do título ter sido dado como perdido pelos responsáveis e, naturalmente, pelos adeptos. Isso criou a Lage uma almofada gigante.


Tão grande que ainda hoje permanece a ideia de Bruno Lage poderá continuar a ser o treinador do Benfica mesmo que a equipa não chegue ao título e já depois de ter dado nos pés os tiros que se viu que deu, volto a sublinhar pela desilusão que certamente constituiram, na meia final da Taça de Portugal e nos quartos de final da Liga Europa, sobretudo nos quartos de final da Liga Europa, com uma eliminação muitíssimo criticável, que Lage não foi capaz na Alemanha de reconhecer publicamente, pelo menos de forma clara.


Percebe-se, apesar de tudo isso, que a almofada seja ainda grande. É grande porque a equipa discute o título e discute-o, nesta altura, dependendo apenas de si própria, e é, naturalmente, grande também porque o próprio Bruno Lage mostrou suficiente, e evidente, qualidade técnica para, reconstruindo praticamente a equipa, lhe devolver a capacidade de jogar bom futebol e de, jogando bom futebol, voltar a estar sempre mais perto de ganhar, e de, ganhando, conseguir ganhar as vezes suficientes para chegar ao primeiro lugar e, chegando ao primeiro lugar, de estar agora bem perto de conquistar um título que pareceu irremediavelmente perdido.


Ou seja, se, por um lado, muito ajudou a circunstância, favorável, de poder Bruno Lage assumir o comando da equipa sem qualquer pressão, foi, por outro, o mérito - muito mérito, diria - do próprio Bruno Lage, que mesmo tendo visto o principal adversário, o FC Porto, perder inesperadamente pontos onde não se esperava que perdesse, foi capaz de fazer a equipa do Benfica renascer para o jogo (que já não era atraente nem competitivo com Rui Vitória) e para o combate do título que todos elegem como principal objetivo, que é o título de campeão nacional.


Admito que, talvez por isso, responsáveis e adeptos do Benfica sejam mais facilmente levados a desculpar o modo como foi a equipa encarnada eliminada da Taça de Portugal e da Liga Europa.


Veremos, porém, o que sucedera à almofada de Lage se a equipa vier a não conseguir também o tão ambicionado título de campeã, a começar já por se ver se vai ou não ser capaz este domingo de ganhar em Braga aquele que é, na minha opinião, o jogo do título, e que, como jogo do título, vai, estou em crer, definir o Benfica como novo campeão nacional ou, pelo segundo ano consecutivo, como vice-campeão.

DEVERÁ, em todo o caso, Bruno Lage compreender que nem todo o mérito e todas as qualidades que certamente terá como treinador e como condutor de uma grande equipa - que é, evidentemente, muito mais, como sabemos, do que ser um bom treinador - o podem levar a subestimar o que o rodeia nem a querer impor - numa espécie de luta contra tudo e contra todos - a sua filosofia, como se os jornalistas apenas devessem questioná-lo sobre o que achou do jogo ou os comentários televisivos devessem, todos, alinhar pela mesma opinião do treinador do Benfica para ser eventualmente mais interessante ouvi-los do que ver o canal Panda.


Confessou, apropósito, ainda recentemente, José Mourinho, numa conversa de treinador para treinadores, manter, mesmo ao fim de tantos anos de sucesso, a opinião que não deve o treinador querer impor a filosofia antes de ganhar. «Primeiro, deve ganhar; depois, impõe a filosofia!», disse Mourinho. Não temos de concordar. Mas eu concordo.


É nesse sentido que espero ver Bruno Lage refletir sobre todo o seu papel como treinador principal de uma grande equipa de futebol, que joga, pelo menos na Luz, permanentemente para mais de 50 mil pessoas, e para incomparavelmente mais pela TV, e que fala, antes e depois de cada jogo - não para os jornalistas mas através dos jornalistas, é bom que os treinadores não o equeçam -, para alguns milhões.
Não são tostões!