O País não gosta de desporto
As decisões do Governo (e de todos os governos) nos últimos seis meses de combate à pandemia de Covid-19, numa primeira fase, e as medidas de desconfinamento, de setor para setor, num segundo momento, são um manual de política que, acredito, terá o devido relevo nos livros de história do futuro. Todos percebemos, por exemplo, quando os pareces técnicos fundamentam, ou não, uma medida: quando dá mais ou menos jeito na gestão dos consensos. Logo em março, quando surgiram em Portugal as primeiras infeções pelo novo coronavírus, os técnicos eram da opinião de que não valia a pena fechar as escolas, mas o primeiro-ministro, António Costa, foi (e bem) em sentido contrário, apoiando-se no bom senso e no que a generalidade da opinião pública reclamava. Após o fim do Estado de Emergência e quando a pressão dos vários setores da economia começou a fazer-se sentir, também todos percebemos em que sentido iam as decisões: quem tinha mais poder e influência foi mais rapidamente satisfeito. Foi assim com as viagens de avião e, no que diz respeito ao desporto, com o futebol profissional. Em ambos os casos valeu a pena contrariar as correntes que eram contra. No que diz respeito ao regresso da Liga, é público que foi difícil convencer a Direção-Geral da Saúde (a diretora-geral, Graça Freitas, sempre demonstrou ceticismo na fase das negociações), mas assim aconteceu e ainda bem, porque foi um sucesso em termos sanitários, tal como a Final 8 da Liga dos Campeões em Lisboa.
Ao conhecermos, anteontem, as orientações da DGS para as competições desportivas foi evidente que desta vez prevaleceu a visão dos técnicos sem a oposição do Governo de outras ocasiões. Permitir-se o regresso das competições seniores (profissionais e não profissionais) mas deixar de fora a formação (a não ser em modalidades consideradas de baixo risco, a exemplo do ténis), ou seja, privar milhares de jovens de praticar desporto (o que é diferente da atividade física), foi uma decisão técnica e uma não decisão política.
Esta não decisão foi certamente ponderada em São Bento e ter-se-á chegado à conclusão de que o prejuízo mediático não será assim tão elevado. Porque, infelizmente, Portugal não tem uma relação forte com o desporto (o desporto na sua essência pura, não o desporto industrial). Tal como já foi recordado neste espaço, somos o segundo país da União Europeia que menos atividade física pratica (apenas atrás da Croácia) e isso ajuda a explicar uma carta falta de cultura desportiva na sociedade - vemos gente que de quatro em quatro anos, qual membro de claques a visar os adversários, aponta o dedo a atletas olímpicos, mesmo de modalidades que pouco ou nada conhecem, apenas e só porque naquela altura o grande futebol está de férias.
Paralelamente, assistimos, ano após ano, a um Estado sem uma estratégia para o desporto, mesmo estando provado que é um bom investimento financeiro, pois vai gastar-se menos no Serviço Nacional de Saúde.
Deixar, pois, ainda mais gente (ainda por cima os jovens) sem fazer desporto não parece ter um grande custo político. Isso diz muito sobre os decisores mas também sobre todos nós enquanto povo, que parece mais preocupado em saber se Cavani chega ou não ao Benfica.