O ovo ou a galinha?...

OPINIÃO20.08.202206:30

De há muito tempo que a morosidade dos tribunais, quaisquer que eles sejam, tem muito a ver com os homens que administram a justiça

QUANDO questionamos o que veio antes, o ovo ou a galinha, queremo-nos referir ao dilema de causalidade que surge da expressão. Considerando que a galinha nasceu do ovo e o ovo foi posto pela galinha, será difícil determinar o responsável pela criação original.

O título desta crónica, e o seu conteúdo, veio-me à cabeça ao ler a nota final do editorial de José Manuel Delgado, em A BOLA de ontem, sobre a entrevista a Fernando Torrão, presidente da Comissão de Instrutores de Liga, a qual, quanto a mim, é a mais completa demonstração de que o problema da falta de celeridade da justiça desportiva não tem a ver com o Tribunal Arbitral do Desporto, mas com a fase de instrução e julgamento da responsabilidade daquela Comissão de Instrutores da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol.

Com efeito, o dilema não é entre as pessoas e o modelo, e o principal problema não é o modelo, mas as pessoas, porque são estas que criam o modelo, não nascendo este de geração espontânea. E, por outro lado, parece-me evidente também que a ineficácia da justiça não resulta da multiplicidade de recursos, designadamente do recurso ao TAD, que foi exactamente criado para evitar o recurso aos tribunais civis, sem ofensa ao quadro constitucional. A morosidade de que se tem falado nos últimos dias, ao ponto de chegar à prescrição, diz respeito a instrução e julgamento por parte daqueles órgãos, e não ao TAD, que só funciona a partir da decisão do CD, se dela for interposto recurso.
 

Fernando Torrão, presidente da Comissão de Instrutores da Liga Portugal, concedeu entrevista a A BOLA


Ora, quem definiu o modelo de justiça em Portugal foram os deputados que elaboraram e votaram a Constituição da República Portuguesa, tal como são homens os dirigentes do futebol português que definiram o modelo de justiça desportiva, dentro dos limites legais e constitucionais do nosso Estado de Direito. Admito que haja quem goste do tudo ao monte e fé em Deus, como dizia o Estebes, criado pelo Herman José, mas isso seria o caos em qualquer ordenamento jurídico, com regresso ao tempo de que faz justiça aquele que saca da pistola mais rápido. A justiça, qualquer que ela seja, não está bem, mas também não vai a esse ponto.
De há muito tempo que a morosidade dos tribunais, quaisquer que eles sejam, tem muito a ver com os homens que administram a justiça, pois, dentro de qualquer modelo, há sempre os que trabalham e os que fazem muito pouco. Os nossos códigos de procedimentos, bons, maus e outros assim-assim, são iguais para todos os juízes, e há juízes que demoram muito a despachar processos e outros que cumprem prazos e têm o seu serviço em dia. Na minha vida profissional encontrei muitos juízes que, apesar da falta de meios e condições, tinham o seu serviço em dia, aliando a sua inteligência à competência e à capacidade de trabalho. O tribunal mudava de Juiz e o que o substituía, porque não tinha a mesma competência e capacidade, em pouco tempo desorganizava tudo. E quantas vezes o juiz competente ia para o juízo desorganizado e, em pouco tempo, o organizava.

São homens que fazem as leis e são homens que as aplicam, portanto, a culpa é sempre das pessoas e não do modelo.

Como se disse anteriormente, a ideia da criação do Tribunal Arbitral do Desporto teve em vista ser a instância de recurso única dentro do ordenamento jurídico desportivo, evitando assim o recurso aos tribunais civis, com todas as consequências que se sabem. Acontece que tal não foi permitido pelo Tribunal Constitucional.

Na verdade, o Tribunal Constitucional, face a determinadas normas das quais resultava a total irrecorribilidade para os tribunais do Estado das decisões do Tribunal Arbitral do Desporto no âmbito da sua jurisdição arbitral, declarou a sua inconstitucionalidade.

Posteriormente, não obstante se ter admitido o recurso para uma Câmara de Recurso e para o Supremo Tribunal Administrativo em determinadas circunstâncias e salvaguardado o recurso para o Tribunal Constitucional, ainda assim este veio a concluir pela inconstitucionalidade das mesmas normas, uma vez que elas permitem o recurso para um tribunal estadual apenas  em casos excepcionais, violando assim o direito de acesso  aos tribunais consagrado no número 1 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Nesta conformidade, a Lei do Tribunal Arbitral do Desporto em vigor, reza assim no número do 1 do seu artigo 8.º:

 «As decisões dos colégios arbitrais são passíveis de recurso para o Tribunal Central Administrativo, salvo se as partes acordarem recorrer para a câmara de recurso, renunciando expressamente ao recurso da decisão que vier a ser proferida.»

Está, pois, nas mãos dos clubes, ou melhor, dos seus dirigentes e da Assembleia Geral da Liga e da Federação Portuguesa de Futebol, a criação de um modelo que restrinja o recurso das decisões dos órgãos de disciplina ao Tribunal Arbitral do Desporto. A solução preconizada pelo presidente da Liga, Dr. Pedro Proença, de o TAD deixar de existir não acaba com a morosidade, nem com os recursos. Ou será que o Dr. Pedro Proença pensa - mas pensa mal - que o tal órgão designado pelo Governo poderia tomar decisões irrecorríveis para os Tribunais Administrativos?  

E é por isso, meu caro José Manuel Delgado, que discordo consigo quando diz que «a multiplicidade dos recursos tornam a justiça desportiva ineficaz» e o «principal problema não são as pessoas, é o modelo».

Com efeito, a existência de recursos resulta da lei e da Constituição, que é feita por pessoas; e a adaptação (ou não) dos regulamentos disciplinares à lei e à Constituição é da responsabilidade de pessoas - os dirigentes do futebol português.

O problema é efectivamente de pessoas e do seu gosto pelo poder, mesmo que sejam pequenos poderes. A Assembleia da Federação Portuguesa de Futebol é constituída por pessoas de acordo com um modelo que, em minha opinião, é ilegal, destinado a proteger as corporações que representam e os pequenos (mas por vezes demasiado grandes) poderes.

As pessoas da Federação Portuguesa de Futebol e da Liga Portuguesa de Futebol Profissional têm o modelo que definiram e aprovaram. E é por isso que me interrogo a que propósito veio a intervenção do Dr. Pedro Proença: como vice-presidente da FPF, como presidente da Liga ou a título pessoal.

Teve o mérito de provocar polémica. Espero que se siga o debate: com seriedade e elevação e sem poeira para os olhos! 
 

A MÃE DE PAULO FUTRE 

MORREU a Mãe do Paulo Futre, uma senhora por quem tinha uma grande estima e carinho, embora só tivesse estado pessoalmente com ela uma vez, num momento bem triste e que grande influência terá tido então na vida do Sporting.

Já muito se escreveu sobre a saída de Paulo Futre do Sporting para o Porto, suas causas e consequências, mas não é isso que me traz a este assunto e sim o momento vivido nessa altura com a Mãe e a Avó dele. Na verdade, numa última tentativa de segurar o Paulo, desloquei-me à sua residência, onde encontrei a sua Mãe, lavada em lágrimas, que se abraçou a mim, dando-me conta da sua inconformação, aliás igual à minha. Chorámos ambos durante um bocado perante a inevitabilidade da saída. Nunca mais a vi.

Quando consegui que o Paulo regressasse a Portugal ele referia-se a mim como o grande homem e eu julgava que era ele que me tinha posto essa designação. Explicou ele então que era sua Mãe que se referia a mim com essa expressão.

Para além das condolências que enviei ao Paulo, e que aqui renovo, tinha de lhe prestar esta singela homenagem de agradecimento pela forma como sempre me tratou e dizer-lhe, face ao seu falecimento, como me sinto pequeno. Descanse em Paz!