O murro!

OPINIÃO08.01.202103:00

O que se passa com este Benfica?, é o que todos perguntam e é, ao mesmo tempo, a pergunta a que muitos se apressam a querer responder, porque a grandeza do Benfica e, por consequência, a grandeza da sua equipa de futebol são diretamente proporcionais ao impacto mediático que têm.

Dizer-se e escrever-se que o Benfica não está a jogar o que se esperava que estivesse a jogar pode, objetivamente, ser visto como crítica à equipa e ao treinador, mas também, ao mesmo tempo, como elogio às capacidades e competências que se apontam, e reconhecem, a jogadores que corresponderam a tão forte investimento e a um treinador com a qualidade de Jorge Jesus.

Foi, aliás, exatamente por considerar ter jogadores capazes de muito melhor, que Jorge Jesus previu que seria capaz de pôr o Benfica a jogar o triplo do que jogava antes deste seu regresso à Luz; e foi exatamente por reconhecer que Jorge Jesus é um grande treinador que o presidente do Benfica fez tudo para o convencer a regressar.

Naturalmente, nem Jorge Jesus deixou de ser um grande treinador de ontem para hoje, nem os jogadores do Benfica passaram todos a ser incapazes de jogar melhor do que têm vindo a jogar.

Há, pois, um lado objetivo nas análises que se fazem ao jogo do Benfica. A equipa é muito irregular, tão depressa encanta como desencanta, e nas piores fases chega a ser quase absurda a vulnerabilidade coletiva. Nessas piores fases, não há como esconder: mostra gritante incapacidade de pressionar ou, no mínimo, de condicionar o jogo do adversário, não é intensa na recuperação da bola, tem pouca dinâmica e é lenta a circular a bola, não ataca a chamada profundidade, demora às vezes uma eternidade a levar a bola de um flanco ao outro - chegando a fazer passar a bola por cinco jogadores -, é demasiado insegura no passe, perde os duelos com demasiada facilidade e raramente consegue desequilíbrios nos lances e um para um.

A defender, acumula ainda lapsos surpreendentes no posicionamento, na concentração, no compromisso, seja na transição da ação ofensiva para a defensiva, seja nas bolas paradas.

O que se passa com este Benfica?, é, pois, incontornavelmente, a pergunta do momento, porque a verdade é que se esperava que as competências que fazem de Jesus um treinador de nível mundial fossem suficientes para criar nesta equipa do Benfica o impacto que Jorge Jesus costuma criar nas equipas que treina, como ficou mais do que provado na história da sua carreira, sobretudo nos últimos dez anos!

Que o Benfica não está a jogar o futebol que na realidade mostrou ser capaz de jogar numa fase mais inicial da época - apesar de tudo o que lhe aconteceu quando competiu para entrar na Liga dos Campeões (o primeiro murro no estômago da equipa) - é um dado objetivo e impossível de ignorar. O que não se sabe, vendo de fora, é por que razão o Benfica deixou de conseguir jogar o que já jogou e deixou de conseguir ser mais regular ao longo de cada jogo.

São os jogadores que não querem dar mais? Falta ligação entre treinador e equipa? Faltam as químicas e as ligações até entre jogadores? Estarão eles menos disponíveis para receber as novas ideias? Não passa a mensagem? É Jorge Jesus que não está a conseguir dominar e controlar eventuais insuficiências da equipa? É a falta de público? Ou Jesus e os jogadores não estão a saber lidar com todo este excecional cenário e com a pandemia e como ela os tem afetado?

Não quero, evidentemente, ser, como se costuma dizer, mais papista do que o Papa, mas do mesmo modo que deve objetivamente dizer-se que este Benfica está, de um modo geral, a jogar menos do que se esperava que jogasse e a mostrar uma fragilidade competitiva que, obviamente, não se esperava nada que mostrasse, também devemos considerar que é bem possível, para não dizer bem provável, que a maldita Covid-19 esteja a mexer demasiado com a equipa encarnada, bem mais atingida, como se sabe, até pelos casos confirmados, do que qualquer dos outros principais rivais na designada luta pelo título da Liga.

Como analistas, nenhum de nós poderá, evidentemente, qualificar ou quantificar as consequências que têm provocado na equipa de Jesus os casos de Covid-19 que a partir de novembro se multiplicaram assustadoramente para os lados do Seixal (segundo grande murro no estômago da equipa). Parece-me, porém, suficientemente claro, e dou-o apenas como exemplo, que o jovem Darwin Núñez nunca mais foi o mesmo desde que se viu infetado, sensivelmente a meio de novembro, com o novo coronavírus.

É bom que nos lembremos, aliás, antes de arriscarmos outro tipo de conclusões porventura bem mais precipitadas, que o Benfica (como equipa das mais afetadas pelas infeções) viu-se sem Darwin, Weigl e Taarabt a meio de novembro, Pizzi a meio de dezembro, e Jardel e Seferovic mais os jovens Gonçalo Ramos e João Ferreira no final de dezembro, e ainda Gabriel e Cervi já no início deste novo ano.

Pois bem, apesar da ideia (mais ou menos feita, mais ou menos justificada) que a Covid-19 tem pouco impacto nos jovens e, muito em particular, em jovens atletas de alta competição, a verdade é que só mesmo quem passa por ela e os especialistas médicos que os avaliam podem estar mais próximos de conhecer o exato efeito da doença nos atletas.

Recordo, aliás, porque certamente poucos terão dado muita importância ao assunto, o caso do jovem jogador do Benfica, David Tavares (19 anos), que em maio foi o primeiro, e até novembro, o único, caso de Covid-19 confirmado entre os encarnados, e escreveu na altura  na rede social instagram: «Foi difícil, mas já é passado.»

Mais esclarecedor ainda, o que veio afirmar publicamente em meados de dezembro o campeoníssimo Lewis Hamilton, que a Covid-19 obrigou a isolamento e impediu de participar, creio, no penúltimo Grande Prémio de Fórmula 1 da temporada do maldito ano de 2020.

Contou Hamilton que à custa da infeção pelo novo coronavírus perdeu quatro quilos e muita massa muscular. «Estou a recuperar, mas a começar de um nível muito baixo!» Julgo que são palavras elucidativas de como a Covid-19 pode afetar qualquer atleta de alta competição, bem preparado e vigiado como são também, naturalmente, os pilotos de Fórmula 1, sujeitos, como se sabe, a um tremendo desgaste físico e emocional durante cada corrida.

Que o jovem uruguaio Darwin Núñez nunca mais pareceu o mesmo jogador desde que se viu infetado parece-me inegável. Darwin mostrou, aliás, qualidade e capacidades até meio de novembro que faziam dele um dos mais entusiasmantes e desequilibradores jogadores do Benfica. E algumas das suas características mais notadas eram a velocidade e o poder atlético. Mas perdeu confiança e perdeu fulgor.

De Taarabt podemos também dizer relativamente o mesmo. Não que tenha sido um médio fantástico antes da Covid-19, mas passou a ser seguramente muito menos empolgante na sua forma atlética de comer metros ao campo.

Não que a Covid-19 deva servir de desculpa para tudo o que os encarnados têm ou não têm feito, porque a verdade das derrotas no Bessa e, na Luz, com o Braga, para dar apenas alguns exemplos, estão longe de poder ser escritas apenas pelos efeitos da pandemia. Muito longe mesmo.

Mas que a Covid-19 terá peso, isso creio que será inegável. Talvez o problema, para os jovens atletas de alta competição, nem esteja propriamente no momento em que se veem infetados, mas na recuperação.

Dir-se-á que a pandemia afeta todos por igual. Em teoria, sim. Mas enquanto no FC Porto, e felizmente para o FC Porto, que se saiba apenas dois são os casos confirmados até ao momento - o de Loum, ainda em setembro, e, agora, o do guarda-redes Cláudio Ramos -, o Sporting, lembro que também foi vítima de um surto de Covid-19, ainda em setembro, que afetou número significativo de jogadores e talvez tenha impedido a equipa de seguir na Liga Europa e evitar aquela copiosa derrota por 1-4 frente aos austríacos do LASK Linz. Em todo o caso, continua a não me parecer nada razoável que se queira observar, avaliar, analisar e criticar os comportamentos atuais das equipas de futebol, e em especial as mais afetadas com casos de infeção, como se tudo estivesse normal. E nada disto está normal. Nada. Nem o o futebol.

Estarão os problemas do Benfica apenas na pandemia? Não, parece-me claro que não! Mas, mais uma vez, apenas podemos avaliar pelo que se vê. E o que se vê, independentemente de Jorge Jesus estar ou não a conseguir ligação forte com os jogadores e de estar ou não a conseguir ter domínio sobre a situação, é uma equipa que precisaria de outro tipo de soluções: um médio de mão cheia (que nem Taarabt nem Gabriel são), mais uma ou outra solução para o eixo e lateral defensiva, melhor alternativa atacante a Darwin, e um desequilibrador-criativo (tipo Jesus Corona, no FC Porto, ou João Mário, no Sporting) capaz de marcar a diferença e construir jogo por dentro e por fora.

Mas será que o problema da equipa é apenas a falta de mais um ou outro jogador? Com toda a franqueza, também me parece que não. Faltará talvez perceber que murro na mesa deve ser dado. E dá-lo!