O mundo ao contrário

OPINIÃO16.06.202023:16

JÁ imaginaram o que seria se o mundo fosse ao contrário? Como seriam absurdas todas as coisas que conhecemos? A ordem natural estaria invertida, de pernas para o ar. No ponto oposto onde deve estar. Nada faria sentido. Seria o caos puro.


Imaginem o que seria se, por exemplo, os tetos estivessem no chão, se as lojas só abrissem de noite e o povo dormisse durante o dia? Uma loucura, certo? Imaginem também o que seria se o homem andasse de trela, se mordesse o cão e se pairasse nas esplanadas, à espera que um pombo qualquer lhe atirasse uma migalha de pão? Risível. Obviamente. Imaginem o que seria se fossem os pacientes a examinar os médicos e a anestesiar os anestesistas? A cuidar dos enfermeiros? A fazer ressonâncias aos técnicos de imagem? Pois. Doentio.


Mas imaginem pior. Imaginem o que seria do mundo se o futebol fosse ao contrário! Imaginem se, por exemplo, fossem os árbitros a chamar nomes aos adeptos? Se fossem eles a atirar-lhes coisas de cada vez que eles estivessem a ser, apenas e só, adeptos? Se lhes arremessassem apitos e cartões, bandeirolas e sistemas de comunicação? E se os insultassem, ofendessem e cuspissem de cada vez que eles passassem por perto? Crime. Cadeia. Forca. Garantido.
Imaginem outra ainda: que os árbitros passavam os jogos todos a barafustar. Barafustavam do princípio ao fim, sem parar. Saltavam que nem molas de cada vez que um jogador errasse um passe ou que um treinador mexesse mal na equipa. E depois ainda esbracejavam e vociferavam, inflamando o ambiente e contagiando tudo e todos contra eles. Sem comentários, certo?


Levemos este exercício um pouco mais além. Imaginem que, no final dos jogos, os árbitros justificavam o seu insucesso com os erros dos outros? E imaginem que, não contentes, ainda iam à flash interview levantar suspeitas sobre técnicos, atletas e dirigentes, em tom irado, acusatório e revoltado? Um verdadeiro absurdo. Uma estupidez total. Impossível.


Continuando: imaginem que os árbitros exprimiam o desejo público de vetar jogadores, treinadores e dirigentes, devido à sua alegada incompetência, incapacidade e falibilidade? Imaginem que o exigiam porque alguns deles não lhes ofereciam segurança e credibilidade? Imaginem também que era o voto dos árbitros que fazia aprovar o regulamento de competições? Que o seu peso era esmagador na aprovação dos regulamentos disciplinares? Que eram eles que determinavam, na sua maioria, as regras que regulariam todas as provas? E que, por exemplo, eram também eles que poderiam decidir se o onze de cada equipa podia ser sorteado ou nomeado?


Imaginem o que seria se os árbitros cometessem os erros que jogadores e treinadores cometem em todos os jogos: má abordagem tática, passes errados, golos falhados, substituições infelizes, autogolos incríveis, penáltis cometidos, amarelos e vermelhos recebidos, enfim... o que seria deles? Do seu bom-nome e da sua reputação momentânea? Que carimbo público levariam? Como andariam nas ruas, como iriam ao café, como fariam compras perto de casa, em família?
Imaginem ainda que os árbitros podiam ir para as redes sociais levantar insinuações graves contra claques, adeptos idiotas e até departamentos de comunicação de alguns clubes? Imaginem que satirizavam, ironizavam e eram sarcásticos em cada post, em cada tweet, em cada tirada que publicavam? E imaginem que, depois disso, nunca nada lhes acontecia? Jogo após jogo, semana após semana, época após época?


Reconheço. Este foi um exercício mental sem pés nem cabeça. Para quê um mundo ao contrário, tão absurdo e perverso, quando o nosso está tão bem assim?