O lobo!
A sucessão de Luís Filipe Vieira só pode, evidentemente, estar sobre a mesa
É parte do que mais resulta, e do que mais se ouve, da verdadeira explosão que abalou, nos últimos dois dias, o universo do Benfica: Luís Filipe Vieira vai deixar de ser o presidente e Rui Costa estará pronto para assumir (por tempo, ainda, indefinido) a sucessão. Porquê, então, Rui Costa? Porque é Rui Costa que faz todo o sentido, independentemente dos estatutos, dos quadros diretivos ou de outros cenários que estejam sobre a mesa.
Parece-me Rui Costa, por um lado, o nome provavelmente mais consensual, sendo ainda a maior figura do clube no quadro atual de dirigentes, e foi eleito, o que faz toda a diferença e é bom não esquecer. Os benfiquistas conhecem-no bem, sabem como é um homem sério, com um passado claro e transparente, e um caráter de grande paixão e dedicação ao Benfica. Os últimos 15 anos serviram certamente para Rui Costa aprender a dominar o gigantesco mundo de um clube com a dimensão do clube da Luz.
Só ele saberá se deve ou não, por outro lado, dar, definitivamente, o passo para a presidência do clube num próximo ato eleitoral, e ele saberá sentir, evidentemente, se está ou não preparado para aceitar a possibilidade de assumir esse desafio.
Tenho poucas dúvidas sobre a aceitação do nome de Rui Costa no universo encarnado; e nenhuma dúvida sobre o carisma, o prestígio, a ambição, a determinação e paixão de Rui Costa. Percebendo, naturalmente, muito de futebol, talvez não se sinta ainda Rui Costa capaz, ou à vontade, em todas as matérias que digam respeito à gestão económica e financeira de um gigantesco navio como é o navio encarnado.
Mas ninguém duvidará, julgo, da capacidade de Rui Costa saber rodear-se, em qualquer circunstância, de pessoas (nomes atuais ou novos) de qualidade suficiente para o ajudarem a manter o Benfica no mais saudável dos caminhos do ponto de vista empresarial (sendo hoje uma das mais fortes empresas nacionais e de capital português) e, ao mesmo tempo, com o sustentado objetivo de regressar aos mais destacados sucessos desportivos.
Assumindo a presidência, pelo menos nos próximos meses, e mesmo admitindo um cenário extraordinário de eleições antecipadas (lá para outubro ou novembro, como mandaria, nesse caso, evidente defesa dos interesses imediatos do clube), talvez a única dúvida esteja em saber-se se Rui Costa estará ou não absolutamente disponível para se impor como figura central e essencial a essa indispensável estabilidade imediata, ou a aceitar o desafio do escrutínio eleitoral. Rui Costa já terá, seguramente, compreendido como tem na mão a chave do que talvez nunca esperasse vir a ter de abrir. Ou, porventura, fechar!
A PESAR do indecoroso espetáculo a que diferentes cenários da Justiça se têm, infelizmente, prestado no nosso País - uma Justiça que acaba por contribuir, dando até a ideia de promover, a violação do sagrado, legítimo, constitucional, exigido e essencial segredo da própria Justiça -, a verdade é que Luís Filipe Vieira se vê, desta vez, envolvido numa megaoperação de investigação que pode vir a decretar-lhe a privação, de algum modo, da própria liberdade, que o remete para um cenário em que fica verdadeiramente em causa a continuidade imediata como presidente do Benfica.
Não contribuo, nunca o fiz e nunca o farei, para o clima de tribunal popular em que tantas vezes acaba por se ver envolvida a sociedade portuguesa. E, portanto, essa famigerada presunção de inocência não pode nem deve ser apenas um conveniente lugar-comum que dá jeito referir, apenas, entredentes, sem qualquer correspondência, depois, no desfile de comentários, análises, visões, conclusões e afins que vão poluindo, com mais ou menos intensidade, os media e a opinião pública.
O que acontece, devemos lamentá-lo, é que a pretexto do escrutínio que os media e a opinião pública têm obrigação de fazer sobre todos os comportamentos e ações dos cidadãos (na vida pública ou privada) não raras vezes caímos na tentação fácil de quase regressar a uma espécie de inquisição dos tempos modernos que marca o seu próprio tempo, não de fazer justiça, mas de impor a visão justiceira sobre entidades ou pessoas como se a Justiça tivesse apenas como objetivo a condenação e já não a absolvição.
Ninguém deve ser condenado antes sequer de ser julgado. E todos devem pagar pelos crimes que possam cometer. Ninguém está, evidentemente, acima da Lei, nem Filipe Vieira nem qualquer outro cidadão, tenha ou não colarinho branco, ou se mostre de colarinho amarelo, cor-de-rosa, azul, verde ou vermelho. Mas se ninguém está acima da Lei, também ninguém deverá estar abaixo dela. Temos todos os mesmos direitos: ser ouvidos e promovermos a nossa defesa na fase de inquérito (em que estamos); esperar pela formal acusação (Vieira e restantes arguidos não estão ainda formalmente acusados) e, por fim, em eventual julgamento, rebatermos toda a acusação e sermos ou não condenados em face das provas. Serão palavras vãs? Não! São princípios absolutamente indispensáveis num Estado de Direito. Não pode ser conversa fiada. Tem de ser imperativo da consciência coletiva.
T ENHO por Filipe Vieira o apreço pelo modo como se entregou à missão de devolver ao Benfica tudo o que o Benfica perdeu no final da década de 90 e pelo que foi capaz de fazer pela maior instituição desportiva portuguesa. Ou será tudo isso mera ilusão? Tenho, por outro, de Vieira a ideia de ser, igualmente, um homem, como empresário ou como líder, neste caso, de um clube com a grandeza do Benfica, modelado ao longo dos anos também por essa espécie de cultura bem portuguesa que há muito, e em tão diversos quadrantes da nossa sociedade, promove o favor, a cunha, o tráfico de influências, a partilha de poderes e de privilégios, como forma de vida mais ou menos bem aceite até por muitos daqueles que têm a ousadia de atirar sempre a primeira pedra.
Vieira mostrou-me sempre ser um sobrevivente, um lutador, uma espécie de lobo sem receio de ter de se debater, solitário. Está hoje visivelmente acossado em várias e excessivas frentes e tem vindo a ver-se confrontado com questões de credibilidade e de natureza ética e moral. É o que fazem certas práticas, que, mesmo não sendo ilegais, serão sempre questionáveis e discutíveis à luz do que devem ser os normais padrões de relacionamento social, ainda mais quando estão em causa valores culturais e desportivos.
Não é evidentemente justo que se ignore ou não reconheça o que Vieira fez pelo Benfica, ou se passe por cima da verdadeira fortaleza que Vieira deixa na Luz, do mesmo modo que não pode Vieira esperar que por tê-lo feito deve merecer toda a impunidade, ou que todos, sequer, concordem com as suas decisões, práticas ou formas de agir.
Por tudo isso, aconteça, assim, o que acontecer, creio que deve Luís Filipe Vieira compreender, melhor do que nunca, o contexto em que acaba de se ver envolvido, que aconselha a que se afaste, por iniciativa própria, da liderança do clube.
Afastando-se, pode Vieira dedicar-se à sua defesa, e devolver, inquestionavelmente, ao Benfica a serenidade que o clube precisa para preparar e arrancar para uma época desportiva da qual os adeptos passaram a exigir claramente mais ainda do que seria, sempre, normal.
N OVAS violações do segredo de justiça permitem-nos saber, já, que defende a investigação a ideia de Vieira poder vir a ser ser acusado de crimes que envolverão, também, prejuízo do próprio Benfica. Nesse caso, o processo pode levar Vieira a ver-se, mesmo compulsivamente, afastado do exercício das funções de presidente.
Por tudo o que me foi sendo possível conhecer da personalidade e trabalho de Vieira ao longo de mais de 17 anos como presidente do Benfica, tenho, porém, a convicção - vale o que vale, evidentemente, mas é a minha - que jamais Vieira aceitaria lesar o clube em proveito próprio. Vieira fez certamente - e se fez, muitos ou poucos, não vem agora ao caso - maus negócios para o Benfica. Mas não acredito que alguma vez tenha desviado um tostão do clube para o próprio bolso. Se a Justiça vier a provar o contrário, cá estarei para assumir, naturalmente, que estava, afinal, enganado, e que Vieira me mostrou ser o que, afinal, não era.
Quanto aos contornos da investigação envolvendo o BES/Novo Banco/Fundo de Resolução/Estado português (tudo na esfera da vida profissional privada de Vieira), pois o que me parece é quem nem eu, nem, provavelmente, qualquer português comum alguma vez saberá verdadeiramente o que foi, o que é ou que porventura ainda virá a ser essa complexa, densa e extensa teia de interesses, conluios, negócios, empréstimos, dívidas, influências, favores e distribuição de pequenos ou grandes poderes que foram servindo relações mais ou menos poderosas e convenientes num País que de repente chegou a parecer mover-se quase exclusivamente em torno do poder do antigo banqueiro Ricardo Salgado, num dos maiores bancos privados, e da Portugal Telecom, talvez, então, a maior das empresas portuguesas. Mas esses serão, sempre, outros quinhentos!...