O legado de José Mourinho

OPINIÃO27.01.202205:55

Revolução iniciada no FC Porto em 2002 com o furacão de Setúbal mudou o perfil do treinador em Portugal e também na Europa

PODE já não figurar na lista dos melhores da atualidade por não transportar aquela aura de transformador e revolucionário de outros tempos, mas a importância de José Mourinho para o futebol português continua bem viva cada vez que um presidente de um clube decide apostar num jovem com pouco currículo para técnico principal. O que em 2002 era visto como um grande risco (pôr as fichas em alguém perto de completar 39 anos) hoje é uma banalidade. Se até aí contavam-se pelos dedos das mãos os treinadores sub-40 do primeiro escalão, hoje é  raro ver alguém acima dos 60 sentado no banco de suplentes. 
Agora que se evocam os 20 anos da chegada do furacão de Setúbal ao FC Porto (onde iniciou percurso brilhante que fica gravado na história do desporto nacional) é uma boa oportunidade para refletir sobre o que mudou nos treinadores portugueses. Não há dúvidas de que o legado é enorme. O estudo e a ciência (da análise de dados a novas abordagens na área do comportamento humano, passando pela tecnologia e grupos multidisciplinares) substituíram o olhómetro e o empirismo e essa enorme base de conhecimento universalizou-se, a ponto de podermos dizer que, atualmente, não há assim tantas diferenças entre os métodos de uma equipa técnica de um dos grandes ou de um clube que luta para não descer de divisão. Porque se criou definitivamente uma escola, transversal a todas as áreas de atuação do futebol profissional. O que os ingleses chamam de game changer deu-se efetivamente em 2002. O conhecimento já existia na Academia, mas faltava alguém que lhe desse legitimidade, grandeza e força inspiradora.

PARA o futebol português dar mais um passo rumo à excelência seria preciso que sucedesse o mesmo com aquilo que tanto importa: os meios. Dito de outra forma: será que Sérgio Conceição, Rúben Amorim ou Carlos Carvalhal são 14 vezes melhor que  Álvaro Pacheco, Ricardo Soares, Paulo Sérgio ou Vasco Seabra? Acreditamos que não. Mas é este o rácio entre o que ganham os grandes e os mais pequenos em receitas televisivas. A tão propalada centralização dos direitos promete diminuir o fosso (ainda não sabemos quando e em que proporção), mas continuará a existir desigualdade porque o futebol é  o reflexo de um país demasiado centralista. A solução para mitigar o problema terá forçosamente de continuar a passar pela contínua evolução dos treinadores de pequenos recursos e grandes ambições, tal como foi Mourinho. 

Oatual treinador da Roma abriu as portas a outros mercados para os compatriotas lusos mas também forjou um novo paradigma para o resto do Continente. O sucesso europeu no FC Porto e a cavalgada triunfal no Chelsea provocaram uma nova febre do ouro, com muitos presidentes à procura de novos Mourinhos em cada esquina. Boa parte da garimpa terminou em fracasso (porque especial não é qualquer um) mas o processo não voltou para trás e o rejuvenescimento passou a ser a nova ordem. Se analisarmos o top 5 dos campeonatos da Europa, contam-se pelos dedos os treinadores com mais de 60 anos: Ralf Rangnick (60), Marcelo Bielsa (66) e Roy Hodgson (74) em Inglaterra; José Luis Mendilibar (60), Carlo Ancelotti (62) e Manuel Pellegrini (68) em Espanha; Frédéric Antonetti (60) e Jorge Sampaoli (61) em França e cinco em Itália: Walter Mazzarri, 60; Luciano Spalletti, 62; Gian Piero Gasperini, 63; Maurizio Sarri, 63; Aurelio Andreazzoli, 68. Na Alemanha (talvez a referência n.º 1 de treinadores nos dias de hoje) o técnico mais velho tem 56 anos, o que faz da Bundesliga o campeonato com a  média de idades mais baixa nos bancos entre as cinco principais ligas: 45,3 anos - em Inglaterra a média está nos 51,3; em Espanha é de 49,9; em Itália é 52; em França sobe aos 53,7. Quanto a Portugal, após a saída de Jorge Jesus do Benfica (e consequente entrada de Nélson Veríssimo, de 44 anos), a média baixou para os 45,5, aquela que mais se aproxima dos germânicos. Por sinal, duas ligas dominadas por dois jovens fenómenos: Julian Nagelsmann (34 anos, Bayern) e Rúben Amorim (36, Sporting).