O leão campeão!

OPINIÃO07.05.202107:00

Já é tarde para Rúben Amorim mudar o discurso, mas que importa isso?!

O Sporting vai ser campeão? Claro que vai ser campeão! Tem tudo para ser campeão. Merece ser campeão. Há muito que é o grande favorito a ser campeão. Já não é só o favorito, agora já é favoritíssimo, como esta semana escreveu, neste jornal, o meu camarada Rogério Azevedo.
Falta só dar um passo, e será o campeão. Podem os seus adeptos respirar de alívio, porque vão voltar a ver o leão campeão. Não sei se o leão vai ser um campeão invicto, mas sei que o leão vai ser um justo campeão. Não há como deixar escapar a faixa. E como vai ser campeão, vai ser, naturalmente, o melhor!
O melhor, como se diz, é sempre o primeiro. E o primeiro, os meus leitores adeptos do FC Porto que me desculpem, acredito que vai ser o Sporting, acabando, assim, campeão. Invicto ou não, mas campeão!
Claro que me parece, agora sim, que já é tarde para Rúben Amorim mudar o discurso. Para o mudar, já o deveria ter mudado, como sublinhou o meu amigo Vítor Manuel - esse sábio treinador de futebol que temos o privilégio de ver como comentador da BOLA TV -, e poderia/deveria tê-lo mudado, por exemplo, assim que viu a equipa ceder, em casa, com o Famalicão, segundo empate consecutivo, ou, na pior das hipóteses, no fim daquele empate com o Belenenses SAD, logo a seguir, quando o leão viu escapar o 6.º ponto em apenas quatro jogos.
Para mudar o discurso, Rúben Amorim talvez devesse tê-lo feito num desses momentos. É quando se escorrega que se deve acentuar a convicção. «Ah empatámos?! Pois não há problema, porque eu sei que esta equipa vai ser campeã!», era o que teríamos ouvido se Rúben Amorim tivesse resolvido mudar o discurso. Teria sido um murro na mesa. Uma afirmação de fé. A motivação final. Mas Rúben Amorim decidiu continuar na mesma linha. Aprecio-lhe a coerência, mas reconheço a fragilidade, já, da mensagem. O Sporting não é candidato? Não é candidato a quê? Ao título? Quer chegar a um objetivo ao qual não é candidato? E será candidato quando? Quando for campeão?!
A certa altura do campeonato, é verdade que me pareceu acertado que Rúben Amorim mantivesse aquela cautela do «jogo a jogo» e de deixar correr uma competição com dois candidatos (FC Porto e Benfica) e um outsider, o Sporting, disposto a dar «tudo por tudo» e esperar para ver no que isto ia dar.
Mas também é verdade que esperei (e nisso alinho em absoluto com o que afirmou Vítor Manuel na BOLA TV) ver Rúben Amorim dar um esticão (como faz, quando se impõe, o camisola amarela no pelotão da Volta a França, por exemplo) ao cabo daquelas derrapagens do leão (empates com Moreirense, fora, e Famalicão e Belenenses SAD, em Alvalade).
Admito, evidentemente, que dar um esticão, um abanão, um grito, talvez colhesse mais frutos fora do que dentro, porque dentro, também já se percebeu, Rúben Amorim tem realmente a coisa controlada, e, como aqui escrevi um dia, acredito que não haja um só jogador que não queira ir com ele até ao fim do mundo!
Tirando essa coisa da afirmação como candidato ao título, Rúben Amorim faz-me realmente lembrar José Mourinho quando José Mourinho começou a dar também os seus primeiros passos. Em ambos se encontra muita força e clareza no discurso. Quando chegou ao FC Porto, ainda no decorrer da época 2001/2002, é verdade que Mourinho não teve qualquer receio de afirmar que na época seguinte seria campeão. Não disse que seria o maior candidato; disse que seria campeão!
Há uma diferença, grande diferença, naturalmente, entre um FC Porto, naquela altura, que apenas não era campeão há três anos, e um Sporting que, hoje, não é campeão há 19! E há ainda clara diferença entre o plantel que Mourinho veio a construir naquele FC Porto, e o plantel que, apesar de tudo, Rúben Amorim teve de se limitar a construir neste Sporting - ainda que reforçado em janeiro com o «melhor avançado português», segundo o jovem treinador dos leões!
Ainda assim, e com essas devidas diferenças, volto a sublinhar o que me parece ter em comum este Rúben Amorim com aquele José Mourinho que já tinha deixado o país do futebol de boca aberta pelo modo como desafiou, em 2000, aquela primeira oportunidade num Benfica que não ganhava nada desde 1994 e sem nada ganhar veio a manter-se até 2005.
Este Rúben Amorim, como aquele José Mourinho, faz do discurso uma das armas mais fortes, porque percebe, naturalmente, o tempo em que vive e o poder da comunicação. Rúben Amorim sabe isso tão bem que, regra geral, não se importa nada de estar o tempo que for preciso numa conferência de imprensa e de responder a tudo o que lhe é perguntado, apesar de todos sabermos que isso é, e será sempre, muito mais fácil quando se está a ganhar, e quando, como é o caso, se está em primeiro e, ainda por cima, se joga com o fator surpresa, ou seja, quando ninguém esperava que se fizesse o que se está a fazer. Nesta circunstância, além de ser mais fácil comunicar, também sabe melhor!  
Já sabíamos, do tempo em que era jogador, que Rúben Amorim tinha realmente muito jeito para comunicar. Mas uma coisa é comunicar como jogador, outra como treinador. E como treinador, para se comunicar bem não basta ter jeito, também é preciso ter ideias claras, boa dose de autoconfiança, convicções firmes.
Rúben Amorim foi, pelos vistos, um jogador muito atento, e além de muito atento, foi também, pelos vistos, um jogador muito seguro do que queria fazer quando deixasse de jogar. Quanto mais seguro, mais atento está a tudo o que o envolve. E percebe-se que Rúben bebeu tudo o que viu, testemunhou e viveu!
E bebeu tão bem que o primeiro forte sinal que Rúben Amorim dá como treinador é o de saber ter o grupo na mão e de fazer com que o grupo se torne muito forte, muito comprometido e muito focado.
É evidentemente discutível se o Sporting teria aqui chegado de igual modo se tivesse enfrentado um calendário muito mais intenso e exigente como o que tiveram FC Porto, Benfica ou SC Braga. É evidentemente discutível se tudo teria sido igual se tivesse jogado sob maior pressão, responsabilidade de ganhar ou até mesmo com público.
Podendo discutir-se tudo isso, tudo isso interessa pouco para a equação final: o Sporting está a fazer campeonato absolutamente fantástico, leva 31 jogos sem perder, e esse recorde já ninguém lho tira (vale o que vale, mas é notável) e, sem jogar sempre bem, ou muitas vezes sem jogar bem, joga com vontade férrea de dar sempre mais do que aquilo que parece ter.
Só dá mais do que aquilo que parece ter uma equipa que segue, sem ver, o caminho que o treinador lhe indica, como é claramente o caso deste Sporting com a luz de que lhe mostra Rúben Amorim!

PS: Escrevi-o antes do clássico da Luz.

T ALVEZ, para os benfiquistas, já não fosse muita a expectativa de poder ver o Benfica aparecer fortíssimo neste clássico com o FC Porto, porque julgo que já se percebeu como esta época dificilmente se veria o Benfica jogar muito mais do que tem jogado, apesar de em termos de resultados ter de se considerar a 2.ª volta da águia francamente boa. Podia, no fim da noite, o Benfica ter ganho o clássico? Podia. Mas o FC Porto foi melhor equipa, jogou mais futebol do que o Benfica, criou mais ataques que o Benfica, mais situações de ascendente que o Benfica, foi, de um modo geral, melhor e mais consistente que o Benfica.
Quantos daqueles lances em que se diz «bem jogado» fez o Benfica no clássico de ontem? Talvez meia dúzia em 90 minutos. O que não pode deixar de ser entendido como pouco. Menos do que deveria esperar-se. Na maioria do tempo, o Benfica teve muita dificuldade em ligar o jogo. Não o controlou como gostaria, não o dominou, nem com bola, nem sem bola. Perdeu a maioria dos duelos, quase nunca conseguiu encurtar bem os espaços, praticamente só equilibrou o jogo até chegar ao golo, e, depois, apenas naqueles últimos dez/quinze minutos, já com o jogo partido e mais como peixe na água para explorar a velocidade de Darwin e o ter, finalmente, dois avançados em campo.
Propositado ou não, o jogo do Benfica parece limitado. A equipa define muitas vezes mal, define muitas vezes tarde, define muitas vezes no momento errado, define muitas vezes sem o melhor critério e sem a melhor execução, define muitas vezes sem precisão. E paga por isso. Podia ter ganho? Podia, e até podia ter ficado com a vantagem de mais um no jogo se Pepe, como devia, tivesse sido expulso. Mas se nesse período final do jogo a águia não ganhou, foi apenas por culpa própria, porque demorou a fazer o passe, a criar a desmarcação, a tomar a decisão que no futebol faz verdadeiramente a diferença.
O que fica no fim, pois, é o resultado e um Benfica que, mais uma vez, não se impôs como mais forte. Pode, estrategicamente, tentar ganhar na contenção. Mas fica a ideia de não ter condições para dominar.
Uma equipa que não domina nos grandes jogos pode ser uma equipa grande mas não é uma grande equipa. E o 3.º lugar está de acordo com o valor que a equipa mostrou neste campeonato!