O jeito que o Benfica dá
É minha convicção que Sérgio Conceição vive uma relação muito forte com o presidente e só por isso tem aceitado o que não lhe agrada e moderado reações
QUANDO, em agosto de 2019, o FC Porto tropeçou no vulgar Krasnodar e foi excluído da Liga dos Campeões a administração, pela voz de Fernando Gomes, foi célere a lamentar publicamente o fracasso desportivo e fazer uma chamada de atenção para o seu impacto negativo nas finanças, dado ter-se desaproveitado uma verba substancial e absolutamente necessária para ajudar ao equilíbrio nas contas do clube.
Não foi uma atitude elegante, tanto mais que nos anos anteriores, desde a entrada em funções de Sérgio Conceição, o dragão faturou que se fartou com as receitas alcançadas na Champions (oitavos de final em 2017/2018 e quartos de final em 2018/2019), a que acrescentou outra presença nos quartos de final (2020/2021) e a despromoção para a Liga Europa, em resultado do terceiro lugar no grupo, discutido até à última jornada, que incluiu Liverpool, Milan e Atlético Madrid.
Portanto, entre o deve o haver, nas cinco épocas de dragão ao peito, Sérgio Conceição deu mais do que aquilo que recebeu. Deu milhões que muito contribuíram para o clube aliviar o controlo financeiro por parte da UEFA, foi duas vezes campeão nacional e valorizou incomensuravelmente a cotação de jogadores nos mercados internacionais, de que Luis Díaz é o exemplo mais recente.
CADA qual é responsável pela sua área de intervenção e desse ponto de vista o treinador tem de ser olhado como uma referência, embora mal entendida pela política de gestão, que não acompanhou o processo de recuperação e estabilização do futebol portista: com menos custos chegou mais longe. Foi a partir de um cenário desfavorável que Sérgio Conceição arquitetou o seu primeiro plantel, feito de uma mescla abençoada de jogadores dispensados, desmotivados e dispersos. Todos acreditaram no caminho que lhes foi proposto e depressa formaram um grupo vencedor e admirado.
A saída de Luiz Díaz foi o último choque, numa altura em que a equipa mais precisava dele, duas semanas antes de um jogo especial, no seu estádio. Especial porque se lhe correr de feição e aumentar a vantagem de seis para nove pontos sobre o Sporting, segundo classificado, ficará em situação ótima, como dizem os adeptos, para encomendar as faixas de campeão nacional. Caso contrário, terá de esperar e tomar atenção ao que leão e águia fizerem.
COM ou sem o extremo colombiano, o plano mantém-se, porém, mas não é a mesma coisa. Sérgio Conceição pode ter azia, ser agreste em respostas que dá, mas nenhum sinal de fraqueza se lhe observa. Vacilar não é com ele, embora saiba que a empreitada se tornará mais árdua porque os bons jogadores fazem sempre falta e, no caso, estamos a falar daquele que era a figura proeminente da Liga portuguesa. O que explica o encanto de Jurgen Klopp por o ter levado para o seu Liverpool. E que bem que ele vai ficar ao lado de Salah, Sadio Mané e Diogo Jota. Um bando dos quatro em versão futebolística, como identificação do, muito provavelmente, melhor ataque do mundo, sem ignorar que ainda sobra Roberto Firmino para o que for preciso.
É minha convicção que Sérgio vive uma relação muito forte com o presidente e talvez por isso, ou só por isso, tem aceitado o que não lhe agrada e moderado as reações quando sente que os limites são ultrapassados. Percebe-se, mas não significa que tenha de atormentar-se pelo silêncio, devendo assumir as consequências, obviamente, como é traço definidor do seu caráter.
Depois do jogo com o Marítimo, deixou a sua marca com uma declaração brutal, mas que encerra uma verdade irrefutável. «Saiu Corona, que foi o melhor do campeonato há dois anos, saiu Sérgio Oliveira, o melhor na época passada, saiu Luis Díaz, que estava a ser o melhor deste campeonato (…) Se não há planeamento temos de rever os objetivos», afirmou. Mais explícito, seria difícil.
O treinador portista tem dado muito ao clube, mas existe uma dessincronização entre o que o ele pede e o que o clube lhe dá. Já não se trata de contratar mais jogadores, mas de não lhe tirarem os que estão, com a mesma aflição de quem vive angustiado para pagar dívidas, embora ninguém ligue a esses sinais de gestão descuidada, prova do jeito que o Benfica dá por concentrar a atenção de todos os juízes de rua, obcecados em culparem o presidente cessante por todos os males do futebol luso e em sentenciarem vida curta ao atual. Para eles, fora isso, o resto é paisagem…
Com um FC Porto assim, não há projeto que valha nem paciência que resista. Como já escrevi neste espaço, Sérgio Conceição operou verdadeiros milagres com plantéis limitados, mas continua sem receber o que lhe faz falta para reforçar a posição do dragão na hierarquia europeia. Consequência de erros acumulados no passado, suficientes para o aconselharem a colocar ponto final nesta ligação o mais brevemente possível, leia-se no final da época, e convencerem-no a mudar-se para uma liga maior, porque esta, a nossa, parece-me de menos para ele.
Sérgio Conceição precisa desse desafio, até para evitar o ponto de rutura, que, do meu ponto de vista, só a amizade sincera com Pinto da Costa tem adiado.