O importante e o simbólico. E Lage

OPINIÃO26.03.201903:00

1 O jovem jogador Fábio Mendes, de 28 anos, morreu durante um jogo da sua equipa a contar para o Campeonato Nacional da II Divisão de futsal. O atleta terá sido vítima de uma paragem cardíaca durante a partida, tendo sido transportado para o Hospital de Portimão, onde chegou já sem vida. Em nenhuma das notícias na comunicação social é referido se o recinto desportivo tinha ou não um desfibrilhador. Nestas situações e na cadeia de sobrevivência que deve ser seguida, uma delas é decisiva: a da desfibrilhação precoce. Sem ela para pôr o coração a funcionar novamente, estes casos terminam sempre da pior forma. Segundo li, o desfibrilhador só terá chegado 25 minutos depois. Por cada minuto que passa a taxa de sobrevivência baixa 10%. Para que o socorro seja eficaz, impõe-se que haja um desfibrilhador à disposição no local. Sei que a Federação Portuguesa de Futebol está a fazer agora um esforçado trabalho para que estes equipamentos sejam instalados em todos os recintos desportivos, mas ainda é difícil para a maior parte da população perceber a importância destes aparelhos. Infelizmente esta situação é comum na maioria dos ginásios, pavilhões escolares e desportivos no nosso país. Enquanto não se despertar plenamente para este problema a taxa de mortalidade da paragem cardiorrespiratória extra-hospitalar irá manter-se em cerca de 97%. Infelizmente, o jovem morreu, a notícia foi fugaz e depois tudo volta ao sossego da indiferença ou, pior, à violência da palavra (e não só…) nas minudências do nosso quotidiano desportivo.

2 Gostei de assistir à Gala do meu clube, no Campo Pequeno. Por muitas e variadas razões. Primeiro, porque se trata de um momento associativo de genuíno entusiasmo, como os benfiquistas gostam de viver no seu clube do coração. Depois, porque a atribuição dos prémios anuais tem o nome do fundador do SLB, Cosme Damião, assim honrando a memória de um passado glorioso do maior clube português. Por outro lado, porque os galardões atribuídos são eclécticos, como, desde sempre, é o Benfica. Eclécticos, inovadores e acarinhados. E, ainda, porque a própria organização do evento foi uma prova de excelência, quanto ao seu planeamento, organização e expressão plástica. Por fim - e seja-me permitida esta nota mais pessoal - porque a minha neta Joana me acompanhou e sei o que para ela foi viver aquelas horas entre os atletas e no meio de imenso fervor clubista. Eu que transbordo de benfiquismo até ao infinito vejo nela o próprio infinito de benfiquismo. Está assim assegurada a minha eternidade benfiquista.


Foi uma festa onde houve apenas Benfica agora chegado aos 115 anos. Porque o Benfica não precisa de fabricar antagonismos de ocasião para exaltar a chama imensa. Porque o Benfica vale por si e se entrega aos seus sócios e adeptos, sem condições, sem adjacências, sem revisionismos.


Gostei da significativa homenagem ao presidente Fernando Martins, aplaudi com alegria o galardão atribuído a Minervino Pietra, que exprime o agradecimento do clube a um grande jogador (que saudades tenho de o ver jogar!) e a um exigente profissional, e sensibilizei-me com o galardão atribuído a Mário Dias, a quem mais devemos o novo Estádio da Luz.  Realço aqui, também, a maior presença de jovens do sexo feminino, que tão boa conta têm dado na sua contribuição para o sucesso desportivo encarnado, salientando em especial a entrada no futebol feminino e o reingresso noutras modalidades, como o voleibol e o andebol.


Não foram surpresa os prémios para os profissionais no futebol sénior. João Félix ganhou o Prémio Revelação, curiosamente num tempo em que o jovem já passou a ser, e bem, considerado um atleta de consagração assegurada. Jonas voltou a ser o melhor jogador, creio que pela quarta vez em quatro  épocas completas com a águia ao peito. Ao receber o Galardão, exprimiu a sua profunda gratidão ao Benfica que o recebeu de braços abertos, depois de relativamente ostracizado no Valência. Falou como jogador, mas, sobretudo, como homem que se emocionou genuinamente.

3 Com os seus jogadores, lá esteve Bruno Lage. Discreto e sereno, como sempre está. É, seguramente, o mais que certo vencedor do galardão para o melhor treinador no próximo ano, independentemente do desfecho das competições em que o Benfica aspira vencer esta temporada.


Para mim, Bruno Lage personifica o perfil de treinador do SLB que mais me agrada. Bem sei que a vida de treinador está sujeita a condicionalismos e imponderáveis que tornam demasiado arriscado prognosticar qualquer coisa para além de uns escassos meses. Bem sei que, tarde ou cedo, a ditadura dos resultados fabrica, só por si, a excelência ou a dispensabilidade de qualquer técnico, numa área tão errática, como danosamente emocional e de mera visão de curto-prazo. Mas, pondo de lado esta lógica de contingência, o certo é que Bruno Lage é uma das melhores surpresas de que me lembro na minha já longa vida de benfiquista. Bruno Lage é português. Não que isso seja uma condição necessária e muito menos suficiente, mas é sempre bom saber que o clube, que até teve uma longa tradição (a nível do plantel) de só ter jogadores portugueses, continue a apostar, a nível técnico, em técnicos nacionais.


Por vezes, dizia aos meus alunos que eles até podem não perceber o que um professor está a ensinar, mas pelo menos percebem se o professor percebe o que ele próprio esta a explicar. Uma espécie de intuição natural e que, entre vários meios de a aferir, tem na autenticidade da relação um dos seus mais fortes sinais. Lembrei-me disto para referir que uma pessoa leiga - como é o meu caso - que de futebol e de treino percebe apenas o que extrai da observação de fora, pode plenamente ajuizar se o treinador treina bem e percebe do ofício. Dois meses e meio passados desde que chegou ao comando da equipa principal, este jovem treinador encarnado provou à saciedade que tem competência no trabalho e sabedoria na liderança.


Bruno Lage é um treinador contra a corrente. É mesmo desarmante num teatro de operações feito de chico-espertismo, de balelas, de pseudo jogos psicológicos, de rodinhas com os jogadores para adepto ver, de optimismos bacocos ou de histrionismos de cara-de-pau. Bruno Lage fala de futebol, não do que anda à volta do futebol. E se até agora quase sempre ganhou os jogos, soube sempre ser senhor nas vitórias, como o foi nas poucas derrotas e empates. Não inventa desculpas para os desaires, como não incha o ego nos sucessos. Bruno Lage é até pedagógico no modo como tudo explica relativamente ao que se passa nos jogos. Não é dos que justificam o que faz ou o que diz «porque os outros também fazem assim ou dizem assado». Não alimenta querelas estéreis, nem perde tempo com perguntas que passam ao lado do jogo jogado. Bruno Lage não faz do futebol um mistério ou uma ciência oculta, antes se concentra no valor profissional, humano e ético do trabalho. Não precisa de andar aos saltos, gesticular freneticamente ou gritar numa concorrência de decibéis. É comedido na alegria e lúcido na tristeza, não se deixando inebriar ou deprimir pelo carácter efémero de uma e de outra. É audaz no que significa de coragem e de uma certa irreverência, mas não é imprudente quando avalia as suas acções. Decide não pela fantasia da impossibilidade, mas pela probabilidade calibrada pela sabedoria dos limites. Não é um treinador instalado, nem se apresenta como um catedrático da bola. Como ele disse, são os jogadores que estão a contribuir para que ele seja hoje melhor treinador do que ontem e amanhã do que hoje.


Às vezes, as escolhas de um treinador são orientadas em nome da fama e pela fama do nome, nem sempre com os melhores resultados. Desta vez, a escolha incidiu no melhor dos critérios, que não o do renome construído ou inventado. …Em boa hora, Luís Filipe Vieira teve a segunda luz: a de escolher Bruno Lage. Afinal, a solução estava dentro de casa. Neste caso, houve uma segunda oportunidade para fazer uma excelente escolha. E digo-o sem hesitações, seja qual for o resultado final nesta luta ponto-a-ponto que Benfica e Porto vão ter nas próximas e decisivas oito semanas.