O Herrera quer 6 milhões por ano? E eu quero um ‘palazzo’ em Veneza
1 Como devem estar lembrados os meus leitores portistas, eu defendi aqui (julgo que contra a opinião geral), que o FC Porto não deveria ter cedido à chantagem de Marega. Mas, cedeu: pô-lo três semanas a jogar à parte e depois mais do que dobrou-lhe o vencimento. Lição para o balneário: vale a pena imaginar-se mais importante que o clube. Resultado práctico: nada que eu tenha reparado, nem golos marcados, nem golos assistidos. Consequência imediata: a reivindicação de Hector Herrera, o capitão de equipa, para renovar contrato, quando este terminar, no final da próxima época, evitando ao clube sair a custo zero. Se o Marega ficou a ganhar 4 milhões, ele quer 6, segundo o relato deste jornal: 6 milhões brutos por ano, 3 milhões limpos de impostos, 250.000 limpos por mês, 8.000 por dia. Para tal, invocará a sua condição de jogador imprescindível na equipe, os seus seis anos de dedicação ao clube, os 200 jogos completados este sábado, a «perseguição» de que estará ser alvo por parte de alguns grandes da Europa, com o Real Madrid à cabeça, os valores de mercado em Portugal, e mais outros factores negociais que desconheço ou não alcanço. Ora vejamos, de trás para a frente.
Seis milhões de euros por ano só está ao alcance e só é pago pelo Benfica, justamente autoproclamado o clube dos seis milhões. Mas o Benfica parece ter descoberto uma mina de ouro, cujo segredo, obviamente, não partilha. Os tais grandes da Europa que cobiçarão Herrera, estranhamente não se chegaram à frente depois do Mundial da Rússia, como seria expectável e tinha sido anunciado. E Lopetegui, que morrerá de amores por ele, quer vê-lo no Real Madrid para o lugar de quem - de Isco, de Bale, de Modric? Se são assim tão grandes esses amores e esses emblemas, e não apenas intoxicação clássica de agente junto da imprensa, porque estão eles dispostos a esperar mais um ano pelos imprescindíveis serviços do mexicano só para o terem a custo zero, poupando uns milhões que, para essa gente, são trocos? Quanto à sua dedicação ao clube, eu sei que os tempos agora são outros e que coisas dessas agora se medem em milhões e que aquilo a que se chama dedicação é apenas a sorte de ter um contrato, renovado uma ou mais vezes com um grande clube e bem pago…e cumpri-lo. Mas se isso vale 6 milhões por ano ao Herrera, então eu - que nunca tive o prazer e a honra de pisar um relvado envergando, por um minuto que fosse, a camisola do meu querido clube, mas que levo 60 anos de amor, paixão e dedicação sem falhas, e que jamais recebi dele, ou aceitaria receber, um euro que fosse, acho que merecia ser contemplado com um palazzo em Veneza - e não precisa de ser no Gran Cannale. Enfim, resta o argumento de que Herrera é imprescindível na actual equipa do FC Porto. É um argumento recorrentemente sustentado por uma maioria da nossa imprensa, talvez dos adeptos portistas e dos treinadores que por lá passam, incluindo o actual. Mas da qual nunca fiz parte e a que apenas me juntei circunstancialmente na época passada, que foi a melhor ou a única aceitável de Herrera, culminada com o inesquecível golo na Luz, que para sempre lhe agradecerei. Nunca questionei a sua entrega ao jogo e à equipa, a sua disponibilidade táctica constante, que fazem dele, na melhor das hipóteses, aquilo a que Pedroto chamava um «carregador de piano». Mas jamais será o número 10 que o FC Porto não tem há vários anos e que tanto precisa, jamais será, sequer, uma sombra daquele miúdo que vi jogar meia parte anteontem na Luz, João Félix de seu nome, e que tanto me fez lembrar Rui Costa - esse, sim, um verdadeiro número 10, a posição mais importante do futebol, a que caracteriza quase todos os grandes futebolistas. Basta, aliás, olhar para o futebol jogado pelo FC Porto neste começo de época para perceber que o vazio não ocupado por Herrera numa zona nevrálgica do campo e numa função determinante da transição defesa-ataque é «o» factor principal para o défice evidente de qualidade e quantidade do jogo praticado pela equipa. E, para azar seu, a reivindicação exorbitante de Herrera não podia vir a público em pior contexto, depois do jogo de Gelsenkirchen em que foi o pior em campo, falhando practicamente todos os passes e culminando com a responsabilidade no golo dos alemães, fruto das suas gritantes limitações técnicas, seguindo-se depois uma exibição em Setúbal em que foi como se não tivesse estado em campo. Nem 6, nem 4 milhões, eu deixava-o sair a custo zero.
2 Em boa verdade, não é só Herrera que não está a jogar nada. Em Setúbal, safaram-se Casillas, Danilo e Militão (outro miúdo de quem me bastou ver um jogo para também perceber que vai longe). De resto, é impressionante o número de jogadores em baixo de forma: Felipe, Alex Telles, Brahimi, Aboubakar, além do já citado Marega. E Maxi, o pobre e esforçado Maxi, é um susto e uma atrapalhação permanentes. Em sete jogos oficiais, fizemos um bom.
3 O incansável departamento de comunicação do Benfica inventou uma nova fórmula de guerrilha instantânea: agora comenta, ao minuto, as arbitragens dos jogos do F. Porto - para as acusar de favorecer os portistas, claro. É assim com o «Felipe Vale Tudo» (esquecendo-se do «Rúben Cotovelada Todos os Dias», que já vai para aí na 5.ª expulsão perdoada). É assim com o suposto vermelho por mostrar ao Felipe (em que Duarte Gomes também alinhou, esquecendo-se de analisar o lance em plano aberto, como fizeram outros árbitros), com o golo «mal anulado» ao Setúbal, tese que só o Benfica perfilhou, ou com o silêncio sobre um possível penalty sobre Marega ao minuto 7. Que valor tem isto? Nenhum, como é óbvio. Nem aos próprios benfiquistas não-fanáticos convence. É como os comentários do deputado benfiquista Telmo Correia: são tão previsíveis que ele escusava de se deslocar para os fazer. Mandava alguém do departamento de comunicação do Benfica falar em seu nome e não se perdia nem acrescentava nada.
4 Mais extraordinário ainda é que o Benfica se dedique a esta mexeriquice comunicacional num momento em que o céu desaba sobre si e o departamento em causa teria coisas bem mais relevantes de que se ocupar. Depois de ter iniciado a semana passado com o inacreditável comunicado de despedida de Paulo Gonçalves que, no mínimo ficará para o anedotário nacional, e normalmente ficará registado como uma sessão em que dez adultos se reúnem para aprovar uma declaração que sabem ser um monumento à hipocrisia e à falta de pudor, o Benfica viu-se confrontado com as novas revelações dos emails roubados e cujo teor mostra bem porque razão tentaram tão desesperadamente evitar a sua publicação. É que está lá tudo: tudo o que os levou durante tantos anos a esgrimir o fantasma do ‘Apito Dourado’ (a fruta, para os árbitros, as meninas a 200 euros, mas agora não a pedido deles, mas sim de forma organizada e internamente), os convites, bilhetes e viagens pagas aos amigos da Liga e da FPF - o inamovível Mário Figueiredo, o justiceiro coimbrão dos ‘sumaríssimos’ aos jogadores do Porto e do ‘túnel da Luz’, o jurista do ‘Apito Dourado’ na Federação que defendia a despromoção do Porto. E muito, muito mais, que o ‘Apito Dourado’ jamais conteve: toda uma estrutura pensada, planeada, montada, de cima a baixo, para garantir as «missas cantadas», os «padres», as «Fátimas», o controle das instâncias, dos processos, da justiça, das decisões - em campo ou fora dele. Quod est demonstrandum, como é óbvio e nunca demais repetido. Mas suficiente para causar arrepios e dispensar quaisquer comentários. Fico-me pelo que disse Alan, o ‘trancinhas’ do Sp. Braga, agora desempenhando um cargo na estrutura da Direcção do clube: «Se fosse noutro país, descia de divisão, como a Juventus em Itália. Mas aqui, não acredito nisso, mesmo que se prove tudo, São muitos torcedores e investidores».