O golo de Vieira no dérbi
Luís Filipe Vieira, além de ser um presidente de clube com obra notável, provavelmente como nenhum outro no futebol português, tem a capacidade de compreender o presente e desafiar o futuro para manter o Benfica na crista da onda, como instituição de referência e mundialmente prestigiada.
Não foi por acaso que, após a vitória no dérbi, aproveitou a presença significativa de jornalistas para enviar uma mensagem à nação benfiquista, jogadores e técnicos incluídos. Apelou ao respeito por todos os adversários e à concentração máxima em cada jogo, porque «nada está ganho», sublinhou, colocando o acento tónico na seriedade com que a águia continua a voar cada vez mais alto, convicta da trajetória que escolheu e segura de que a sua grandeza em permanente ampliação é o único passaporte que lhe abre as fronteiras de todos os países e, talvez mais breve do que se julga, lhe dá acesso ao lugar que em tempos ocupou no topo da hierarquia mundial.
Na ideia de muita gente, até da sua cor, terá sido uma intervenção desajeitada, mas do meu ponto de vista fez todo sentido, pela oportunidade, pela surpresa e pelo impacto que provocou, através da diferença. Quando se esperaria a promoção de um ambiente de festa na sequência do reforço na liderança no campeonato, Vieira também marcou o seu golo, igualmente importante, ao simbolizar a imagem da contenção, da responsabilidade e da competência, na medida em que sabe muito bem como são violentas as dores provocadas por vaidades tolas ou expectativas desmesuradas.
Viveu essa experiência em 2011, quando ficou a 21 pontos do FC Porto, depois ter sido campeão um ano antes e ter de prolongar a travessia no deserto de campeonatos por mais duas épocas. Voltou a sentir um soco no estômago mais tarde, em 2018, quando o objetivo do penta se esboroou por demérito na abordagem de quem detinha o comando técnico e não pelo desinvestimento no quadro de jogadores, como durante meses se vendeu, devido às saídas de Ederson, Nélson Semedo e Lindelof, sem que, em algum instante, o treinador em exercício tivesse a coragem de se chegar à frente e dar o peito às balas. O plantel pode ter ficado mais fraco, mas não foi por causa das vendas daqueles três elementos que o Benfica perdeu o título e teve participação humilhante na Liga dos Campeões, com seis derrotas em seis jogos, um golo marcado e 14 sofridos.
Vieira nunca se lamentou, mas no seu íntimo deve sentir o desconforto por terem ficado três títulos em falta desde a altura em que conseguiu devolver ao Benfica as condições necessárias e suficientes para, em respeito pela sua história, voltar a posicionar-se na linha da frente à partida para todas as competições. Hoje, poderia estar a lutar pelo 41.º título, mas os equívocos técnicos nos anos 12, 13, e 18 deste século não permitiram.
Na primeira crónica de 2020 chamei a atenção para a curiosidade de a vaga antibenfiquista ter chegado mais cedo. Na temporada transata apenas se fez sentir com inusitado despropósito a partir da 28.ª jornada, na viagem do Benfica à Feira e que serviu de mote a uma encenação ridícula, como os resultados e a classificação final demonstraram. Mais ou menos por esta altura, o emblema da águia estava sete pontos atrás do dragão e, mesmo assim, foi campeão, com dois de avanço. Agora, está sete à frente e essa inversão de posições é o único motivo que se enxerga para tamanha atrapalhação por parte de quem não quer ver o Benfica líder.
No entanto, a vantagem pontual, apesar de apreciável, não tranquiliza o presidente encarnado. Pelo contrário, agudiza-lhe a ansiedade, por temer que deslumbramentos precipitados interfiram no rendimento da equipa. Razão pela qual pede aos associados e adeptos para imaginarem que apenas têm um ponto de avanço. No essencial, faz um convite a serem como ele, sofredores confiantes em vez de convencidos arrogantes.
O FC Porto nunca se viu tão distante da liderança no virar de página do campeonato desde que Pinto da Costa é presidente, há mais de 37 anos, o que, em concreto, pouco significa quando falta ainda uma volta completa por disputar.
O problema existe, mas creio não residir no plantel. Repetidamente tem sido dito que todos os pedidos do treinador foram atendidos, nomeadamente Zé Luís, o que mais volume de notícias suscitou, até pelo preço. Contudo, estará agora em cima da mesa na perspetiva de sair. O que se compreende, na medida em que o rigor financeiro da administração não teve a devida correspondência no plano desportivo. Bloqueada a entrada na Liga dos Campeões, por manifesta ligeireza na preparação da eliminatória com os russos do Krasnodar, a sociedade portista viu escapar-se-lhe os 50 milhões com que justificadamente contava.
O plantel do FC Porto, com a segurança que a defesa transmite, a estabilidade, explosão e criatividade que a região do meio-campo oferece, mais uma frente de ataque de infindas soluções (Zé Luís, Marega, Soares, Aboubakar, Fábio Silva) deve produzir mais e melhor, ou, no mínimo, não ser tão acentuadamente oscilante nas suas exibições.
Tenho uma opinião, que vale zero, mas se estivéssemos a falar da Liga inglesa, no mesmo ambiente ou parecido, gostaria de partilhá-la. Como falamos da portuguesa, com as peculiaridades que a distinguem, dou a vez a outro.