O futuro do jornalismo e de A BOLA
O legado de A BOLA em 77 anos marcantes na história do jornalismo português é um enorme orgulho e uma tremenda responsabilidade
HÁ setenta e sete anos, os ardinas saíram para a rua com um grito novo: «OLHA A BOLA!!!». Um jornal diferente e inovador tinha nascido. Era um jornal desportivo, que começara por ser bissemanal e que confiava todo o seu projeto editorial ao conceito ideológico de Cândido de Oliveira, regressado, pouco tempo antes, da prisão política do Tarrafal, de onde fora libertado pela pressão do governo britânico. Nessa altura, Salazar já tinha percebido a inevitabilidade dos ventos da guerra trazerem a vitória dos aliados e logo percebeu que tinha de dar sinais de alguma abertura e esperar que as negociações dos vencedores não viessem a determinar, como então muitos previam e desejavam, o fim das ditaduras em Espanha e em Portugal.
A Cândido seria, entretanto, vedada qualquer função no Estado, o que o ajudou à determinação com que pensou e planeou a criação de um jornal desportivo que fosse, ao mesmo tempo, um fator de desenvolvimento do desporto nacional, em especial o futebol, e de comprometimento com uma visão mais ampla, social e cultural, que se tornaria profundamente renovadora.
A BOLA nasceu, assim, como um aliado do desenvolvimento do desporto, um meio de promover o espetáculo desportivo como um fenómeno de popularidade e ainda um veículo de divulgação cultural. Em todos esses três pilares, A BOLA inovou. Mostrou o desporto de uma forma diferente, juntando conhecimento técnico à qualidade dos textos; foi um parceiro ativo do desenvolvimento, recorrendo à colaboração regular das maiores figuras do desporto nacional e internacional; comprometeu-se com o crescimento cultural de uma população descolarizada e, em muitos casos, ignorante, aproveitando o tema desportivo para falar, sem complexos, de Portugal e do mundo.
A Cândido de Oliveira juntou-se, no projeto enfim concretizado, o capitão Ribeiro dos Reis, mais tarde elevado ao posto de tenente coronel, e que chegou a ser mundialmente considerado como o homem forte da arbitragem europeia, amigo íntimo de Stanley Rous, que viria a ser presidente da FIFA, no início dos anos sessenta, e ainda o dr. Vicente de Melo, financeiro e, o mais importante, financiador, o que o tornou decisivo para que o projeto fosse viável.
A BOLA ultrapassou, rapidamente, todas as expectativas e tornou-se um fenómeno popular. O seu nome e prestígio ultrapassou fronteiras, a sua respeitabilidade foi reconhecida por entidades públicas e privadas, por instituições nacionais e internacionais e, o mais importante, por um público vasto, transversal, amigo e fiel.
Compreende-se, assim, que ser de A BOLA sempre tenha sido um orgulho e um sonho cumprido por quem entra na equipa da Travessa da Queimada. Ao mesmo tempo, essa consciência de que A BOLA, tem, de facto, uma dimensão única e incomparável, obriga a uma enorme responsabilidade, sobretudo nos momentos mais sensíveis em que a lei do tempo e da finitude dos homens determina uma inevitável transição geracional.
Pensar A BOLA do futuro, no enquadramento atual da sociedade portuguesa e da global crise da imprensa é um desafio tremendo. Não me cabe, a mim, mero transmissor de um legado essencial da História da imprensa portuguesa e de Portugal indicar caminhos. Talvez possa considerar algum valor na experiência de todos estes anos de caminheiro pelo mundo e deixar vivo o testemunho de que o futuro dos jornais, seja esse futuro o que for, nunca poderá prescindir do jornalismo e de jornalistas. Importa, pois, que não se perca o foco principal de se saber que tipo de jornais e de jornalistas precisamos para não trairmos a História.
UM DÉRBI MAIS SUAVE
A quase monopolização do interesse popular pelas eleições legislativas de amanhã, a que se juntou o espetáculo do grande circo das diferentes candidaturas, roubou espaço - não é uma crítica, mas uma constatação - à discussão pública do jogo e, assim, fez diminuir a intensidade normal de um dérbi, que se jogará, esta noite, em Leiria, num ambiente de uma estranha suavidade. Nem por isso deixará de ter consequências para quem ganhar e, sobretudo, para quem perder. Um dérbi é sempre um dérbi e, para mais, quando vale um título.
UMA GUERRA À NOSSA PORTA
Portugal e os portugueses andam distraídos do mundo. Não há vida além das eleições e da pandemia. De repente, o mundo deixou de existir e o facto de corrermos o mais sério risco de virmos a ter uma guerra à nossa porta, na crise russa-ucraniana, não nos merece nem atenção, nem preocupação. O que se vê, nas nossas televisões, são umas imagens repetitivas e dispersas compradas de forma avulsa a agências de informação e o que se lê, nos jornais generalistas, é a simples banalidade de comentadores indocumentados sobre o caso.