O futebol é economia

OPINIÃO23.04.202004:00

NESTA crise que começou primeiro por ser de saúde pública, que já é económica e mais tarde será social, andam todos a navegar à vista. O que até é compreensível: não há mapas para um mundo novo. A solução tem passado pela tentativa/erro à imagem do processo científico mas com a diferença de que os ensaios ocorrem no laboratório da vida real.

Portugal teve a sorte de apanhar com a onda num momento em que estava longe da costa e quando já tinha soado o alarme do tsunami. Conseguiu ascender a um cabeço e ganhou tempo e capacidade para observar as muralhas que os outros, aqueles que nem conseguiram subir a um escadote, foram erguendo. Ou tentando erguer.

Não podemos clamar vitória por apresentarmos um rasto de destruição inferior a outros países. Porque apesar do desenvolvimento nos últimos 40 anos, o País ainda tem uma tradição que já vem do século XVII - a Portugal tudo chegou com atraso: correntes artísticas, conhecimento, bens materiais. E também vírus.

Há, no entanto, o mérito da capacidade de resposta. Apesar de avanços e recuos as autoridades nacionais têm mantido uma coerência muito superior, por exemplo, à da Holanda, um dos países que tentou, numa fase inicial, a imunidade de grupo (ao mesmo tempo que alimentava, mais uma vez, a divisão Norte/Sul na Europa, mas esquecendo-se de que é o país mais beneficiado pelo Mercado Comum. Mas isso são outros quinhentos...). Estratégia que não funcionou, estando agora a recuar, com reflexo direto no desporto: o governo decretou que não haverá campeonatos até 1 de setembro.

AINDA é cedo para dizer quem está certo ou errado mas é cada vez mais admissível que as competições possam voltar no final de maio/início de junho. Até em Itália (o segundo país com mais vítimas mortais) houve unanimidade dos 20 clubes da Serie A - incluindo o Brescia, cujo presidente, ele próprio infetado (mas curado), era contra o regresso do calcio a breve prazo.

Para as almas mais desprendidas desta coisa do pontapé na bola talvez não faça sentido o retomar de jogos enquanto ainda há pessoas a morrer em hospitais mas muito menos sentido fará vermos desportistas parados e creches abertas quando acabar o estado de emergência. Haverá riscos? Sim, tal como há muito tempo andam a arriscar as pessoas atrás de uma caixa de supermercado ou quem tem de andar em transportes públicos rumo a ofícios que não podem ser feitos em teletrabalho. Ou polícias; ou bombeiros; ou carteiros; ou padeiros; ou motoristas; ou estafetas; ou jornalistas em ação na rua. Há largas décadas que o futebol não é entretenimento, é economia.

Admito que alguns jogadores não queiram correr riscos mas estou em crer que a esmagadora maioria pretende o regresso à atividade. Porque de uma forma ou de outra todos teremos de voltar à normalidade. A um novo normal, é certo, reinventando procedimentos e com novas práticas. Todos vamos mudar qualquer coisa. No caso do desporto-rei, primeiro será sem adeptos, depois talvez com lotação parcial no cumprimento das regras do distanciamento. Mas dentro das quatro linhas tudo será igual, mesmo que a máxima tantas vezes usada na defesa de lances duvidosos ganhe agora outras proporções: o futebol é um jogo de contacto.