O foco não está desfocado?
Daí não vem mal ao mundo: a clubite tolda a razão, o conhecimento técnico não abunda
NA última jornada, os jogos dos chamados grandes ofereceram-nos um conjunto de lances difíceis de avaliar. Por difíceis leia-se aqueles que dependem de fatores que nem sempre são claros para quem analisa: a intensidade do contacto, a forma e o local onde foi promovido, a consequência real para o adversário, a velocidade e malícia colocada na ação, o eventual exagero/dramatização na queda de quem foi carregado, etc, etc. Bons exemplos disso: a alegada carga nas costas de Gamboa sobre Evanilson, em jogada que valeu a anulação de um golo para o Estoril; a entrada duríssima de Paulinho sobre Pierre Sagna que só valeu cartão amarelo; o vermelho direto exibido a Daniel Bragança na reta final do jogo dos Açores; o pisão de Everton na perna de Juan Delgado; o amarelo mostrado a Otamendi após entrada perigosíssima sobre Eustáquio; e a expulsão de Denilson Pereira, num lance tecnicamente não muito diferente daquele.
Os comentários posteriores foram os habituais em jogos mediáticos: uns disseram amarelo onde foi vermelho, outros vermelho onde foi amarelo. Poucos concordaram e percebe-se porquê: a clubite tolda a razão, o conhecimento técnico não abunda e vender discussão rende mais do que vender pacificação. Mas não vem daí mal ao mundo: os vários comentadores de arbitragem (onde me incluo) também estiveram em desacordo nalgumas situações, o que apenas evidencia a dificuldade de análise de alguns desses lances.
No meio disto tudo, o que me preocupa - ou, se calhar, o que me entristece - é a incapacidade em discutirmos a origem do problema. A falta em si. A entrada descontrolada, a sola desvairada que pode mandar para o hospital um atleta profissional. O foco - o das pessoas, da imprensa, de toda a gente - parece estar sempre sobre quem decide e não no que aconteceu. É como se, na avaliação de um incêndio, todos se esquecessem do pirómano para observar apenas o trabalho do bombeiro.
Como é óbvio, a decisão de um árbitro é fundamental e ninguém quer branquear isso: ela deve trazer justiça imediata ao lance, passar a mensagem certa aos outros intervenientes e servir de base à justiça disciplinar que se aplicará depois. Mas isso não invalida que se desvie tanto do essencial. E o essencial é a causa. O antes. O autor da infração em si. Um profissional de futebol tem que dar tudo de si. Tem que ser competitivo, duro e eficaz, tudo certo. Mas há infrações que pode e deve evitar. Muitos fazem-no com sucesso e não deixam de ser excelentes jogadores. Mas alguns (cada vez mais referenciados) insistem em não controlar os ímpetos, protagonizando entradas excessivas e/ou violentas, que não são aceitáveis num jogo que se quer limpo. Há também aqueles que insistem em simular lesões, agarrando-se à cara com toques que sofreram no ombro. São as duas tão más, pouco éticas e acima de tudo, desnecessárias. Evitáveis.
Devemos exigir mais dos árbitros (até porque têm agora mais meios do que nunca), mas devemos também exigir a alguns atletas que sejam mais desportivos na forma como exercem a sua profissão. Não critiquem apenas o juiz que dá a sentença, quando o crime não foi cometido por ele, mas por quem se sentou no banco dos réus.