O FC Porto e a incómoda realidade
O estatuto não se anuncia, mostra-se. O FC Porto entrou no campo do Lokomotiv de Moscovo como grande clube que é: para ganhar. Talvez não tenha feito uma daquelas exibições de encher o olho, mas o essencial esteve lá: querer, garra e consciência de que é um grande europeu.
Não é em vão que não há equipa com mais presenças na fase de grupos na Liga dos Campeões, não é por coincidência que é um o único clube europeu que ganhou a prova com este formato fora dos quatro principais campeonatos, não é por se pôr em bicos de pés que tem o dobro de vitórias em competições europeias que todos os outros clubes portugueses juntos e não é por os seus resultados internacionais serem inversamente proporcionais às suas extraordinárias vitórias que deixa de ser, de muitíssimo longe, o mais temido e respeitado clube português por esse mundo fora. Sei que isso custa a muita gente, mas é a incómoda realidade.
Já ouço os dentes a ranger e as vozes despeitadas a dizer que o campeão russo - de um futebol que tem um ranking superior ao nosso, por culpa de outros clubes não do FC Porto - é fraquinho. Pois claro, há quem se esqueça facilmente de que é preciso ganhar os jogos seja a quem for, de que nesta prova não há jogos acessíveis e não valerá a pena falar de clubes que jogam com clubes de futebóis infinitamente mais fracos e são goleados.
O brasão abençoado entrou, repito, para ganhar, mas o facto é que a primeira grande oportunidade foi dos russos. Um penalty mal assinalado - Alex Teles faz a falta fora da área - que Iker, com toda a classe do mundo defendeu. Julgo, porém, que nem que esse golo mudaria o destino do jogo. A avalanche atacante do FC Porto estava a ser imparável e isso ficou claro no resto do encontro. Basta ver os números de posse de bola, as oportunidades de golo, a vontade que a equipa mostrava de marcar.
É verdade que a equipa se mostrou nervosa, que existiram perdas de bola que não se podem repetir, mas a superioridade do FC Porto foi óbvia e o resultado só peca por escasso. E se a defesa esteve estranhamente insegura, o meio campo ofensivo teve um grande dia. Eu, que tenho criticado o Herrera e o Brahimi, tenho que deixar claro que fizeram ótimas exibições e, claro, quando o Corona engata uma exibição daquelas não há defesa que resista - nem vale a pena referir o nosso Comendador: impecável. E, sim, o Óliver traz um perfume e uma qualidade de passe que nos deixa a suspirar de saudades quando ele não está. Mais uma vez o Sérgio Conceição mostrou a sua enorme capacidade tática. Jogando a equipa neste esquema, Óliver é essencial; jogando em 4x4x2 percebo que seja difícil encaixá-lo. Opções de um treinador em quem confio inteiramente e que só uma vez (FC Porto-Liverpool) penso que errou nas escolhas e no plano de jogo.
Não me esqueço das críticas que tenho feito à equipa nesta época. Sei, porém, que se tivermos o nível de compromisso deste jogo e se as desconcentrações defensivas não se repetirem será muito difícil parar o FC Porto. Que este jogo seja o da viragem.
Vem aí um jogo fulcral, é com o Feirense. É assim que todos temos de encarar os jogos, todos os jogos, até ao fim da época.
Sousa Cintra e o Portimonense
HAVERIA muito para dizer sobre a entrevista que Sousa Cintra deu ao jornal Record, mas é assunto que prefiro deixar para os sportinguistas. Apesar de ter simpatia pela pessoa, digamos apenas que espero nunca ler uma coisa parecida de um ex-presidente do FC Porto.
Há, no entanto, uma parte que me chamou especialmente à atenção.
Parece que Sousa Cintra tem um amigo que sabe imenso de futebol. Ninguém que trabalhe no Sporting, ninguém que tenha alguma vez trabalhado no futebol, ninguém que esteja sequer relacionado com o futebol profissional, apenas uma pessoa amiga que sabe imenso de futebol - no juízo de Sousa Cintra, claro. Pelos vistos, Sousa Cintra sabe pouco sobre futebol (o reconhecimento é implícito) mas sabe reconhecer quem sabe. Também pode ter sido outro amigo que lhe disse que este sabia imenso, imenso mesmo sobre futebol. Talvez mesmo um amigo de um amigo que não sabe nada sobre futebol mas tem outro amigo que sabe reconhecer quem sabe de futebol. Nada disto é concretizado na entrevista. Seja como for, foi este amigo que ajudou Cintra a construir o plantel. Aliás, não tivessem sido as hesitações de José Peseiro e o plantel seria bem melhor. Claro, o amigo sabe muito sobre futebol, mais que o Peseiro, não será abusivo presumir.
Mais a sério. Este processo diz muito sobre os problemas passados e presentes do Sporting, e não serão precisas grandes explicações para se perceber porquê. Basta dizer que quando uma empresa com um orçamento de muitos milhões de euros, que mexe com a paixão de milhões de adeptos é gerida desta forma não se podem esperar grandes resultados. Aliás, nenhum clube pode ambicionar um futuro risonho se o seu negócio central não for tratado de uma maneira profissional e devidamente estruturada.
Mal está uma instituição como o Sporting, ou como qualquer outra, quando aspetos fundamentais da sua atividade são tratados por um amigo que sabe imenso seja do que for.
E onde é que entra o Portimonense nisto tudo? É fácil. É notável como de há uns anos a esta parte o Portimonense faz chegar a Portugal jogadores de categoria. Não será difícil perceber que o clube serve essencialmente como plataforma de circulação de jogadores para outros mercados mas, no entretanto, vai conseguindo bons desempenhos e mostrando, a quem gosta de futebol, rapazes com qualidade.
Uma dos aspetos impressionantes do jogo Portimonense-Sporting foi perceber que o clube algarvio tinha três ou quatro jogadores que entrariam de caras na equipa titular do Sporting e seriam, pelo menos, concorrentes sérios a esse estatuto no FC Porto ou no Benfica. Falo do Lucas Fernandes (como é possível ninguém dos grandes não o ter visto antes?), do Tabata, Nakajima e mesmo do suplente João Carlos.
Falamos, claro está, de um clube com o orçamento muitíssimo inferior ao do Sporting e sem as ambições naturais do clube de Alvalade. Uma coisa parece-me certa: os dirigentes e proprietários do Portimonense não contratam utilizando conselhos de amigos.