O especial Conceição
Seja já hoje, na próxima semana ou na última jornada, o FC Porto será o próximo campeão nacional. Com o mérito dos justos e a justiça dos meritórios. Numa competição em que o poder é bicéfalo e as dores não se dispersam, o peso do sucesso tem um valor tão elevado quanto o insucesso do outro. Sempre que os dragões festejam é porque o Benfica falhou, sempre que as águias celebram é porque o FC Porto vacilou. É difícil contrariar esta visão quase maniqueísta e não há grande volta a dar, o que é uma outra forma de pobreza inerente a uma Liga cada vez menos interessante sob todos os pontos de vista.
Mas apoucar a qualidade de uma competição seria um desaforo para quem a venceu. E, no caso particular, para Sérgio Conceição. Decorridas três épocas desde a sua chegada ao FC Porto, o técnico de 45 anos mostrou, entre outras virtudes, uma característica que só existe nos treinadores da classe alta: consistência. Este título prova definitivamente que SC é uma marca que veio para ficar. Nem mesmo o campeonato perdido na época passada serviu para desviá-lo do rumo, porque o FC Porto que perdeu em 2019 é o mesmo que ganhou em 2020: no estilo, nos princípios e na liderança muito vincada do seu treinador.
Dificilmente este FC Porto ficará na história mas o mesmo não acontecerá com Sérgio Conceição. Uma coisa é o futebol praticado por uma equipa, outra é o que essa equipa conquista. Com o devido respeito: ser campeão com Manafá, Mbemba, Tiquinho, Marega ou Sérgio Oliveira não é o mesmo que ganhar com Hulk, Falcao, James Rodríguez, Deco ou Jardel. Se há campeonato de treinador, é este . Recordemos a noite de 25 de janeiro de 2020: depois de perder a final da Taça da Liga para o SC Braga e a sete pontos de distância do Benfica no campeonato, Sérgio Conceição queixou-se publicamente de que havia «falta de união» e colocava, de imediato, o seu lugar à disposição de Pinto da Costa. No regresso da comitiva ao estádio, o técnico ouviu da rua pedidos de demissão, talvez dos mesmos que na temporada anterior, logo a seguir ao jogo com o Rio Ave, lhe exigiram a cabeça. Já com duas épocas e meia em cima e com perspetivas reduzidas de ganhar o campeonato, o cenário de mudança de treinador não seria o mais dramático nem surpreendente. Ao mantê-lo, o líder dos dragões reforçou a liderança de SC e tudo mudou entre a jornada 18 (que coincidiu com o tal grito de revolta) e a 23, quando a equipa passou para a frente da Liga, com o triunfo frente ao Benfica no Dragão a servir de elevador em dois sentidos: subida de um e a descida de outro. Se há momentos definidores de uma temporada, aquele flash interview e as horas que se seguiram farão parte de mais um capítulo para o museu do clube. Acima de tudo pela invulgaridade: se não surpreendeu a decisão de PC em manter Conceição face ao histórico de estabilidade que o presidente sempre garantiu aos seus técnicos, o mesmo não se pode dizer de SC: há poucos treinadores que fariam o que ele fez. E isso também o torna especial.
Quanto ao estilo, será sempre uma questão subjetiva. Há quem pense que este FC Porto não dá espetáculo. Outros defenderão, citando o que disse Conceição sobre Uribe, que esta equipa não é espetacular mas é um espetáculo de equipa (não esquecer a esmagadora superioridade no clássico da Luz nesta época, como há muito não se via). Porque foi assim, pelo primado do coletivo e sob mão forte de um técnico que ao longo do tempo teve vários focos de tensão (Casillas, Danilo, Marchesín...), que o FC Porto impediu o penta do Benfica e a hegemonia das águias na segunda década do século - e participações muito dignas na Champions, ao contrário do rival.
Não sabemos se Sérgio Conceição sai no final da época (com ou sem dobradinha), mas três anos é o máximo que duram os treinadores no Dragão com Pinto da Costa. Se tal acontecer, um grande rótulo levará colado a ele: é um ganhador. Não ao som de valsa, mas de muito rock. Só para apreciadores.