O equívoco de Vieira
O Benfica não será capaz de recuperar o estatuto de excelência na Europa, como é seu desejo, de mãos dadas com Jorge Jesus
OBenfica deixou de ter ilusões acerca do Campeonato. É objetivo abortado. Já o era, mas depois da inesperada derrota com o Gil Vicente passou a ser assunto com ordem de arquivamento, no pesado silêncio da Luz, uma bênção para o treinador, ele que se confessa saudoso da presença de adeptos no estádio e estes que, condenados ao ostracismo, não teriam enjeitado a oportunidade de expressare a sua indignação.
Pensar que hipotética vitória na Taça de Portugal ainda poderá funcionar como boia de salvação, dado que todo o resto se foi - a começar pelo brutal fracasso financeiro e desportivo que resultou da derrota no jogo de acesso à Liga dos Campeões frente ao PAOK, na altura treinado por Abel Ferreira -, constitui erro de avaliação tremendo.
Garantir a entrada direta na Liga dos Campeões é a única forma de aliviar o peso dos destroços de uma temporada para esquecer em face do investimento realizado e das expectativas geradas entre a família benfiquista. Argumentarão os mais otimistas, porém, que o terceiro lugar na Liga manterá acesa a luz da esperança. Sim, mas também é verdade que o SC Braga encurtou a desvantagem para dois pontos, além de ser do conhecimento público que Jesus não rima com Champions…
O surto de Covid-19 teve consequências negativas no rendimento geral da equipa encarnada, com certeza que sim, mas não significa que deva ser utilizado como vassoura para esconder erros debaixo do tapete e aligeirar desculpas para quanto correu mal.
LUÍS FILIPE VIEIRA teve uma decisão precipitada ao promover o regresso de Jorge Jesus ao Benfica, depois de uma ligação de longa duração com altos e baixos, preenchida com três Campeonatos e uma Taça de Portugal, cartão de visita idêntico ao que Rui Vitória (dois Campeonatos e uma Taça) e Bruno Lage (um Campeonato) apresentaram em menos um ano de trabalho, embora em ambiente mais adverso, sobretudo o segundo, o qual, é minha convicção, foi queimado em lume brando, com o fogo a soprar de fora e de dentro, até capitular à força, a seguir a um jogo com o Marítimo, em cena pouco edificante e prenunciadora de que o cozinhado estaria pronto a ser servido.
O presidente benfiquista agiu de acordo com uma suposta e compreensível intenção de garantir a sua reeleição, mas não precisava, porque ela estava assegurada, desde sempre, pelo seu trabalho, pela sua obra, pela sua dedicação e pelo seu notável contributo em dotar o clube das ferramentas necessárias para ultrapassar com absoluta confiança os obstáculos que se lhe depararem..
Não percebi, por isso, a ideia de se agarrar ao passado, investindo num projeto esgotado, espremido e que não deu ao clube nem mais nem menos do que outro ator, nas mesmas circunstâncias e com idênticas condições de trabalho, teria conseguido. O resto é publicidade enganosa.
E agora? Boa questão. Por muito menos, Vieira despediu Vitória e Lage. O primeiro, até se entende. Talvez houvesse alguma incompatibilidade entre o que Rui Vitória quer para a sua vida pessoal e familiar e a vida que é exigida a um treinador profissional de elite. Em relação a Bruno Lage, no entanto, não enxergo explicação plausível. Sei que foi massacrado com perguntas à volta do mesmo tema, até fraquejar, a partir de janeiro do ano passado e coincidindo com súbita quebra de resultados. Ao dar uma resposta que não devia, inadvertidamente, sugeriu o argumento para o trucidarem e, ao mesmo tempo, escancarou as portas para a sua saída.
NINGUÉM terá dúvidas de que se desbaratou mais uma época. O pouco que há para ganhar não chega para encobrir o muito que já se perdeu. Motivos? Basta procurar entre os défices do plantel e as confusões/incoerências do próprio treinador para se chegar a uma conclusão: primeiro proclamou que iria arrasar, depois afirmou que não falhou e poucas vezes falha e, mais recentemente, vencida a crise epidémica, jurou que ninguém mais iria agarrá-los, a ele e à equipa. Palavras leva-as o vento e… promessas também.
Desta vez, Vieira equivocou-se. Não discuto nem as competências, nem as qualidades de Jesus, mas acho, continuo a achar, que a grandeza e o prestígio do emblema da águia merecem mais. Mesmo que, daqui em diante, o Benfica se torne invencível e os outros entrem em depressão total, o futebol tem coisas que não se compreendem, mesmo assim, num acaso de todo improvável, manterei a opinião de que o Benfica não será capaz de recuperar o estatuto de excelência na Europa, como é seu desejo, de mãos dadas com Jorge Jesus. Porquê? As coisas são como são. Para consumo interno, pode ser que baste…
LEAUTEY - Se o belo lance que o jogador francês Antoine Leautey desenhou sobre o relvado da Luz, e culminou no primeiro golo do Gil Vicente, tivesse a assinatura de Rafa Silva, por exemplo, mereceria a classificação de obra de arte, para ser vista, revista e apreciada.
Aquilo não foi uma diagonal, em termos geométricos pareceu mais uma perpendicular, em que o jogador gilista, seguindo em sentido descendente na direção da linha de baliza encarnada, virou subitamente à esquerda, em velocidade, bola dominada, tirou as medidas ao muro dos três centrais’ e, no buraco que mais jeito lhe deu, sem se intimidar com a distância, armou o pé esquerdo e… cá vai disto.
Foi soberbo, pela determinação, pelo arrojo e, principalmente, pela execução, primorosa e convicta, consequência da motivação que Ricardo Soares lhe terá dado, um treinador muito interessante e que, em meia dúzia de palavras, na conferência de Imprensa, contou a lição que preparou para obrigar os jogadores do Benfica a correrem mais do que estavam à espera. Mais um exemplo revelador de que a competência não tem a ver com a idade.