O elo mais fraco, o elo mais rico e o elo mais pobre

OPINIÃO28.11.201800:28

1 - Envio este texto para A BOLA antes de saber o desfecho do jogo do Benfica em Munique, de que tantos - e tantos benfiquistas, entre eles - fazem depender o destino de Rui Vitória aos comandos do Benfica. Depois do jogo para a Taça com o Arouca, em que benfiquistas não subjugados, como Bagão Félix ou João Gobern, não fizeram cerimónia em classificar como miserável, ultrapassando até jornalistas habitualmente de espinha curvada perante o «Glorioso», o caderno de encargos de Rui Vitória tornou-se practicamente inalcançável: ou terá obtido ontem uma quase impossível vitória sobre o monstro de Munique, mesmo que actualmente adormecido, no seu próprio terreno, e aberto as portas para a passagem aos oitavos da Champions ou terá os dias contados na Luz. Os treinadores, diz-se, vivem de resultados e Rui Vitória não tem os resultados e, menos ainda, as exibições, a seu favor. Depois da humilhante campanha europeia da época passada, depois de perder o campeonato para um FC Porto sem um único reforço e para um Sporting em processo de autoliquidação, falhando o tão almejado tetra, ei-lo este ano a quatro pontos do Porto e com a sentença de morte já decretada na Champions. Por aí, Rui Vitória não tem, de facto, grande defesa.
Todavia, foi ele quem antes deu dois campeonatos ao Benfica, quando Luís Filipe Vieira resolveu prescindir do treinador campeão e este se transferiu para o Sporting, onde era suposto quebrar a hegemonia benfiquista. E se Rui Vitória falhou o título do futebol no ano passado, não foi ele que falhou também os títulos do andebol, do basquetebol, do hóquei, do voleibol, do futsal, do bilas, dos matraquilhos, do curling e de tudo o resto: o homem que conseguiu que o Benfica numa mesma época não ganhasse um único título de campeão nacional, não se chamou Rui Vitória, mas sim Luís Filipe Vieira. O homem que despediu Jorge Jesus e foi buscar Rui Vitória chama-se Luís Filipe Vieira. O homem que agora, publicamente e depois de ter posto Jesus em tribunal acusando-o, entre outras coisas, de roubo, admitiu ir buscá-lo de volta, chama-se Luís Filipe Vieira. O homem que assim transmite tanta estabilidade ao treinador e à equipa chama-se Luís Filipe Vieira. O homem que lhe transmite igual estabilidade com todas as nebulosas -para dizer o mínimo - trapalhadas criminais em que o Benfica está envolvido chama-se Luís Filipe Vieira. O homem que inventou, cultivou e deu livre curso às actividades de Paulo Gonçalves chama-se Luís Filipe Vieira e é por elas que o Benfica responde em tribunal. O homem que deixou à solta as claques do Benfica, que hoje sabemos serem verdadeiras associações de malfeitores, chama-se Luís Filipe Vieira. E o homem que passa incólume entre todos os pingos da chuva, prometendo até manter-se eternamente no cargo (isto é, até que o Benfica seja campeão europeu), chama-se Luís Filipe Vieira. Pessoalmente, eu até simpatizo com ele e não tenho nada a ver com sua gestão à frente do clube rival do meu. Mas se fosse presidente do meu clube, há muito que me teria questionado por que razão é que ninguém lhe pede responsabilidades.

2 - Santos Neves, um jornalista desta casa cujos textos sempre leio com o maior interesse e consideração, contestou no seu último texto o que eu escrevera na semana passada acerca da Liga das Nações e da boa vida das Federações. A sua contestação tinha argumentos pertinentes e só lamento que não me tenha nomeado expressamente, porque é sempre mais bonito. Acredito que tenha havido grandes jogos, que eu não vi. E grandes assistências aos jogos, que também não vi. Acredito que seja melhor jogos destes do que jogos amigáveis - embora haja uma terceira alternativa, que é jogos nenhuns. Mas mantenho o fundamental do que disse. A Liga das Nações foi inventada pelas Federações para alimentarem o luxo e a abundância em que já vivem, feito à custa dos clubes e dos jogadores dos clubes. E, por mais que o politicamente correcto pretenda o contrário, os verdadeiros amantes do futebol, com excepção do Mundial (mas um Mundial razoável, não com 32 ou 64 Selecções), gostam é das competições de clubes - as nacionais e as internacionais. Eu, pessoalmente, gosto é das cores das camisolas dos clubes e, em especial, das camisolas do meu clube, que acho das mais bonitas do mundo. Nunca (talvez por reflexo antifascista do antigamente e anti-scolarista de 2004), aceitei a confusão entre Pátria e Selecção Nacional: não me comove nada ver jogadores sumptuosamente pagos a cantar o hino e, se já detesto as cores de país africano da bandeira nacional, detesto mais ainda as cores obrigatoriamente benfiquistas do equipamento da Selecção - que não são sequer nacionais, as da bandeira, mas de um clube. Quanto ao luxo em que vivem as Federações, a UEFA e a FIFA, tive ocasião de o constatar pessoalmente por duas ou três ocasiões e o que vi deixou-me sinceramente chocado. Em 2003, José Sócrates, que era então o ministro com a tutela do Desporto, convidou-me para ser o porta-voz da candidatura portuguesa ao Euro-2004. A ideia não me agradou de entrada, mas, por seriedade intelectual, pedi um fim-de-semana para ler os dossiers do caderno de encargos da candidatura, antes de dar uma resposta. E o que li deixou-me chocado: a UEFA exigia a um país pobre, como Portugal, que se esmifrasse como pudesse, que construísse oito estádios novos de raiz e que abdicasse de todas as receitas a favor de um negócio da China todo a favor dos senhores da UEFA. Chegavam ao ponto de reservar toda a publicidade outdoor nas cidades que acolheriam o Euro a seu favor. Não só recusei, como fiquei logo adversário do Euro em Portugal. E o cargo, sumptuosamente pago, foi entregue a Carlos Cruz - com o sucesso que se conhece. Ainda bem para Portugal (?). Portanto, caro Santos Neves: nem eu o convenço a si nem você me convence a mim. Mas, não presumindo de forma alguma a sua ignorância, mas, quanto muito, a de ambos, deixe-me citar o Hamlet a propósito disto: «há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que a nossa vã sabedoria supõe».

3 - Com mais conhecimentos que eu no assunto, Bagão Félix explicou aqui ontem porque razão o empréstimo obrigacionista do Sporting - que, apesar de não ter conseguido que a procura alcançasse a totalidade da oferta, evitou a humilhação e o buraco de tesouraria iminente - soa a fim de ciclo. Acabou-se a banca amiga dos clubes e as alternativas constituídas por sociedades financeiras e bancos manhosos, com juros usurários  de 8% - a que, segundo o Expresso, os três grandes portugueses têm recorrido - são um caminho para o desastre. Outro tanto é a antecipação de receitas futuras de contratos televisivos, vendas de passes de jogadores e prémios de participação nas competições europeias. Juntos, os três grandes devem 1.145 milhões, dos quais o FC Porto tem a fatia de leão: 283 milhões de dívida acumulada. A menos que consiga rapidamente fabricar um, dois ou três jogadores daqueles absolutamente fora-de-série, consiga encontrar compradores dispostos a perder a cabeça por eles e conseguir não gastar mais em comissões e «despesas contratuais» do que o próprio preço de venda, não se vê como se possa livrar de tão astronómica dívida. Nós, portistas, lemos com entusiasmo aquelas notícias que nos dão conta que, se hoje, por exemplo, vencermos o Schalke, ganhamos mais uns milhões de euros, e que se passarmos aos oitavos da Champions, são mais uns sete ou oito milhões. «Peanuts», como dizia o outro. Nada, absolutamente nada, comparado com a montanha de dívida que temos para escalar. Pior era e é o caso do Sporting. A dívida era menor mas a tesouraria ameaçava rebentar, pura e simplesmente. Os trinta milhões que o empréstimo obrigacionista visava era a segunda tentativa de evitar um calote, adiado há uns meses. Mas o clube vai continuar ligado à máquina. Talvez venha aí a nivelação forçada do nosso futebol.