O efeito Pizzi

OPINIÃO20.01.202111:08

Jesus foi arguto e competente. Conceição é que não acautelou a possibilidade do Benfica despertar da letargia que tem ensombrado a suas exibições nos últimos meses

S ÉRGIO Conceição declarou que perdeu dois pontos por nunca lhe ter passado pela cabeça que não pudesse sair vitorioso no clássico com o Benfica da última sexta-feira, até pelas mais recentes exibições dos dois emblemas que, naturalmente, lhe atribuíam  margem de favoritismo apreciável. A equipa portista não pratica um futebol especialmente atraente, mas revela uma consistência competitiva invulgar, a que se associa uma organização apreciável e um espírito de combate que tem sido a sua mais vincada identidade. Fatores que foram aprimorados no consulado do atual treinador, o qual teve de fazer das tripas coração para manter a exigência elevada em condições fortemente adversas e que o obrigaram a formar um plantel feito de cacos que ele reuniu com infinda paciência e meticuloso saber até reconstruir as peças de que precisava para pôr em marcha um projeto  vitorioso, praticamente a partir do nada.
O FC Porto, desde que ele chegou, é incomparavelmente mais forte. Por isso, se sentiu frustrado pelo empate, que não esperava, até pela espantosa reação dos seus jogadores na eliminatória da Taça de Portugal diante do Nacional, nos antípodas dos sucessivos voos da águia com as asas em baixo e que muitas angústias têm provocado entre a massa adepta encarnada.
Em situação normal, o FC Porto, além de favorito, ainda por cima com o filme da Supertaça bem presente na memória de todos, com mais ou menos dificuldade não deixaria fugir a oportunidade de voltar a pisar o seu principal oponente. Nem a ausência de Otávio, a figura mais valiosa do plantel do dragão, gerou preocupação por jamais a estrutura portista ter duvidado da certeza da vitória e com ela, muito provavelmente, levar o caos à Luz.
Sem contar uma história diferente do jogo que pudemos ver através da televisão, Conceição limitou-se a colocar o acento tónico na utilização de dois defesas laterais-esquerdos por parte de Jesus, com receio da pujança atacante do corredor direito portista. Também estou convencido de que a ideia foi essa, e depois? Avaliar os pontos fortes do adversário e tentar anulá-los ou perturbá-los, no mínimo, com os meios que se tem à disposição, é sinal de que se estudou o adversário. Como se deve fazer sempre. Jesus foi arguto  e competente. Conceição é que não teve na devida conta a possibilidade de o Benfica despertar da letargia que tem ensombrado as suas exibições nos últimos dois meses, concretamente a partir do inacreditável desaire sofrido no Bessa.
Jorge Jesus, que tem andado meditabundo, talvez por ter prometido o que não devia, apesar da sua incontrolável vaidade, percebeu que uma segunda derrota em segundo clássico em menos de um mês, ainda por cima a jogar pouquinho, como tem sido o registo habitual, nada traria de recomendável, nem para o clube, nem para ele e nem para o presidente que lhe entregou as rédeas para recuperar a hegemonia interna e ativar o projeto europeu. A propósito, escrevi na minha crónica da há uma semana que Jesus estava obrigado a ganhar e que o empate seria o mal menor desde que alicerçado num desempenho que pudesse abrir horizontes de esperança  e reanimar a força de acreditar da nação benfiquista.
A inclusão de Nuno Tavares, o adiantamento de Grimaldo e a preferência por Seferovic na frente de ataque espantaram o país do futebol, mas foram estes três elementos que participaram no desenho do lance que originou o golo do Benfica. Portanto, foi uma boa solução, embora insuficiente, porque Corona, depressa verificando que, por ali, não governaria a vida, em pezinhos de lã, surgiu no lado oposto  para se aproveitar da distração de Gilberto e cozinhar o golo portista. Assim, a muito badalada estratégia jesusiana apenas teve 50 por cento de eficácia ao não prever que, ante a implacável e correta vigilância de Nuno Tavares, o talentoso mexicano pudesse procurar outras zonas do terreno que lhe concedessem  mais liberdade para exibir os seus imensos atributos. Foi o que fez e precisou de apenas oito minutos para projetar o golo portista e repor a igualdade.
A utilização de dois laterais foi o tema que mais interesse suscitou no espaço de análise e comentário, mas o que verdadeiramente surpreendeu o treinador portista foi a atitude benfiquista, a disponibilidade para discutir a posse de cada palmo de terreno e ganhar as segundas bolas, a determinação colocada nos lances divididos, não ter medo de ver os pitões dos adversários e não ter vergonha de os mostrar. Foi neste assomo de personalidade perdida, que deve passar a ser a regra obrigatória e deixou o FC Porto sem argumentos para reagir, que residiu o segredo da mudança liderada pelo capitão Pizzi, com um desempenho de altíssimo nível competitivo, como não me lembro de lhe ter visto. Ele e Weigl, como há muito não se observava, tomaram conta do meio campo e secaram o jogo portista.
Pizzi é um praticante de muitas virtudes, mas não tem sido um jogador de Seleção. Porque lhe faltava aquilo que, finalmente, mostrou no Dragão. Como diz o povo, mais vale tarde do que nunca. Já o afirmei em A BOLA TV, e sublinho aqui, isto não tem a ver com mais ou menos tempo de treino, mas sim com o poder da palavra. Desta vez, alguém teve com ele a conversa que se impunha. Se foi Jorge Jesus, tiro-lhe o chapéu. E, se calhar, como também destacou no rescaldo do clássico, foi ele quem teve mais razões para lamentar a perda de dois pontos.