O discurso do rei
É muito difícil não simpatizar com Bruno Lage, esta figura alta, magra e simples que se evidencia pela discrição, pela serena e aparente genuinidade e pela natureza de um discurso tolerante no meio do tão feroz clima que há muito se instalou no futebol em Portugal sempre que se fala de Benfica, FC Porto e Sporting.
Bruno Lage acaba de ganhar e não podemos, portanto, saber se vai ter a coerência de manter comportamento e discurso quando perder, quanto muito podemos acreditar que sim, sem nos esquecermos, porém, de o termos visto azedo sempre que a coisa deu esta época para o torto, como foi caso do momento em que perdeu em Alvalade e foi eliminado da Taça e quando perdeu em Frankfurt e foi eliminado da Liga Europa. Ou seja, a ganhar é sempre mais fácil mostrar serenidade, tolerância, compreensão, filosofia, e a perder é bem mais difícil evitar que estale o verniz.
Apesar disso, claro benefício da dúvida a um homem que pode realmente orgulhar-se de ter sido a principal figura do novo Benfica campeão e que surpreendeu, realmente, pelo discurso improvisado, pareceu-me, com que se fez ouvir (e espero que se tenha feito ouvir muito bem) no último dia da competição, que consagrou o Benfica como justo campeão nacional pela quinta vez nos últimos seis anos.
Lage sabe que colocou, assim, a fasquia muito alta e que, por isso, ganhou ainda mais responsabilidade, e veremos na próxima época se se confirmará ou não toda esta filosofia, comportamento e palavras, na que será a verdadeira prova dos novos rostos benfiquistas, a começar por um treinador que parece realmente boa lufada de ar fresco e que merece, pelo que já mostrou, a oportunidade de também ele aprender e crescer como treinador de um grande clube e de uma equipa que se exige grande no espaço competitivo português e ambiciosa e lutadora no espaço internacional.
Pode o Benfica sonhar com o que quiser, mas o que se espera e exige ver na próxima época antes de qualquer sonho é se vai o Benfica de Lage ser capaz de continuar a discutir intensamente todos os títulos nacionais e não ser na Europa o Benfica europeu que foi o tão pequenino Benfica na última época completa de Rui Vitória. É isso certamente que os benfiquistas esperam. E é isso que Bruno Lage vai ter que lhes dar!
ESTE Benfica de Bruno Lage pode na verdade ser reservado para futuro caso de estudo, a começar pelo modo como nesta segunda volta da Liga contrariou toda aquela lógica de muitos treinadores segundo a qual os ataques servem sobretudo para ganhar jogos e as defesas servem sobretudo para ganhar campeonatos, porque o Benfica de Lage foi sempre muito mais ataque do que alguma vez foi defesa e mesmo assim fez o que fez, ganhando o campeonato claramente a atacar muitas vezes (e avassaladoramente) bem e a defender muitas vezes (e precariamente) mal. Tão depressa dominando, como sendo dominado.
Ocorre-me, aliás, comparar o futebol deste Benfica de Bruno Lage com os sobressaltos de uma montanha-russa, porque em muitos jogos o Benfica tão depressa esteve por baixo como depois apareceu por cima, numa espécie de jogo bipolar que acabou, pelo talento, fúria e movimentos atacantes, por ser capaz de uma segunda volta verdadeiramente notável e uma sequência de resultados esmagadores que há muito não se via mesmo numa Liga tão desequilibrada como é a Liga portuguesa.
Poucas vezes conseguiu, porém, o Benfica ser na realidade uma equipa consistente e equilibrada, sobretudo depois de ter perdido Gabriel, que se revelou pela mão de Lage um indispensável nível, que impedia a equipa de cair muito para um lado ou para o outro, e, ao mesmo tempo, era uma dor de cabeça para o adversário com aqueles passes de rotura, como os treinadores tanto gostam de chamar, capazes de criar surpreendentes e súbitas oportunidades de ataque.
Sem Gabriel, o Benfica ficou um degrau abaixo na capacidade de ser mais consistente. Perdeu experiência e qualidade de passe e ficou, por isso, uma equipa mais vulnerável. Se lhe juntarmos a pressão que foi sendo cada vez maior de jogo para jogo e a juventude e imaturidade de jogadores como Ferro e Florentino, podemos evidentemente encontrar algumas razões para o jogo ora tão fulgurante ora tão desacertado deste Benfica que Lage reconstruiu em quatro meses e em quatro meses conseguiu, honra lhe seja feita, dar ao Benfica um título que há quatro meses era verdadeira miragem e se tornou confessadamente, no fim, e todos percebemos porquê, num dos mais saborosos de que haverá memória na Luz.
EXPÔS a mais mediática claque organizada do FC Porto no último jogo do campeonato, no Estádio do Dragão , um gigantesco pano com a irónica e provocadora imagem de uma equipa de futebol que titulou de campeã nacional, formada por alguns árbitros da 1.ª categoria do futebol português, mais a figura do primeiro-ministro, ainda a figura de uma juíza de Direito, e, por fim, a de um alegado empresário de futebol, que a mais mediática claque organizada do FC Porto considerará serem figuras que, por diferentes razões, beneficiaram esta época o Benfica, alegadamente ao ponto de o terem ajudado a ser campeão nacional de futebol.
Se não fosse para levar a sério, o que a mais mediática claque organizada do FC Porto fez só podia e devia realmente dar alguma vontade de rir. Mas não pode. Porque o que foi feito deve ser levado suficientemente a sério e a sério o suficiente para merecer um castigo exemplar, na medida em que só pode ter sido feito com a autorização dos verdadeiros responsáveis do clube.
Podem as claques, do FC Porto ou de qualquer outro clube, brincar com o que quiserem. Mas não podem nem devem brincar com a seriedade dos outros. E muito menos com a contemplação (e evidente concordância), sublinho, dos verdadeiros responsáveis de uma instituição com a dimensão, o peso e o impacto nacional e internacional do FC Porto. Liberdade de expressão não é ofender a dignidade e a honra dos que são livres.
XAVI pode não ter sido o melhor jogador do mundo mas era ele que fazia com que todos os outros fossem melhores jogadores. E essa é uma qualidade rara. Xavi foi dos melhores jogadores de sempre. E dá toda a ideia de poder vir a ser um grande treinador de futebol.
Xavi foi campeão espanhol e europeu de clubes, foi campeão europeu e mundial de seleções, e por isso bem merecia ter conquistado a Bola de Ouro que nunca lhe deram. Agora, mais de 20 anos depois de se ter estreado na primeira equipa do Barça, Xavi deixa de ser jogador e vai substituir Jesualdo Ferreira como treinador do Al Saad, do Catar.
Pois bem, se vier a ser, como treinador, metade do que foi como jogador, Xavi já pode estar certo de que dormirá descansado, porque vai ter seguramente sucesso. E, ou muito me engano, ou Xavi vai, mais ano menos ano, voltar a casa e ser treinador do Barcelona.
Recordo que já como jogador Xavi era também um pouco treinador. Mais ou menos como sucedeu com Guardiola. O treinador que todos os treinadores dizem que precisam de ter dentro do campo. Como diria Jorge Valdano, como jogador Xavi pertenceu à restrita elite dos jogadores que se tornaram numa espécie de pastores das respetivas equipas, aqueles jogadores responsáveis em campo por reunir o rebanho e lhes indicar o caminho.
No momento em que vai começar uma nova etapa, Xavi pode, por outro lado, sentir-se igualmente satisfeito por ter trabalhado nos últimos quatro anos com um treinador como o nosso Jesualdo, pois assim aquele que foi um mestre em campo pôde beber, mais uma vez, de um mestre do treino. Estou certo que ficou bem mais rico. Nesta sucessão feliz, o orgulho de um será também o orgulho do outro!
PS: Vejo a equipa do FC Porto como a favorita a conquistar este sábado a Taça de Portugal. É a melhor equipa, a mais forte defensiva e ofensivamente, e mesmo, em Portugal, a equipa que melhor sabe ter e controlar a bola. Tem o Sporting trunfos para o contrariar? Claro que tem! E se os conseguir jogar, esta pode ser uma grande final. Assim saibam todos dar-se ao respeito que, no último sábado, alguns não tiveram pelo futebol e pelos adeptos, a começar por Sérgio Conceição, que, como treinador, tem mais responsabilidade do que qualquer jogador e devia naturalmente ser o primeiro a melhor controlar as emoções. Ele sabe que sim!