O confronto!

OPINIÃO14.10.202206:30

A propósito do que disse, agora, na Alemanha, o treinador do FC Porto

J Á não é a primeira vez que o treinador do FC Porto não resiste a lançar um ou outro recado para dentro do clube, ou da SAD do clube, para sermos mais rigorosos, chame-se-lhe equipa de gestão ou estrutura profissional. Desta vez, antes do Leverkusen-FC Porto - que o campeão nacional brilhantemente venceu - deixou pequena (ou grande) farpa aos administradores ao considerar que as «finanças» do FC Porto não têm correspondido (e na verdade não…) «ao que tem sido a evolução dos jogadores e ao sucesso desportivo».

Seja a farpa mais ou menos direta, a verdade é que o treinador do FC Porto dá a ideia de não querer perder uma boa oportunidade para reclamar junto dos adeptos o direito de achar que o trabalho desportivo tem sido incomparavelmente mais bem-sucedido do que o trabalho da gestão financeira, alinhando sobretudo os astros no sentido de chamar a atenção para a capacidade que equipa técnica e jogadores têm tido para superar as evidentes dificuldades.

No FC Porto, talvez este treinador já não fosse o líder técnico se não tivesse, como tem, a total cobertura de quem realmente importa no universo do clube, que é, incontornavelmente, o presidente. Já foram tantas as vezes que assumiu conflitos com a chamada estrutura do futebol e da SAD, e até com o líder da principal claque, que noutro qualquer lugar aposto que já há muito que não seria o treinador. E não tenho dúvida, ele ainda é o treinador portista porque é visto pelo presidente como um treinador «verdadeiramente à Porto», no que isso tem de melhor e de pior, na competência, mas também na filosofia do quem não é por mim, é contra mim!.

Vejamos, aliás, e a título de exemplo, o caso dos visíveis confrontos com o conhecido líder da principal claque, a quem a liderança do FC Porto dá total importância, porque não são os jornalistas que o convidam para as galas dos Dragões de Ouro que o clube anualmente organiza e promove, nem foram os jornalistas que o convidaram para o jantar comemorativo dos 40 anos de presidência do principal líder do clube. Recordo que o chefe da principal claque foi, em abril, um dos 100 eleitos na categoria de convidados para se sentarem próximo do líder do FC Porto e com ele celebrarem a mais longa liderança desportiva que se conhece. Ora se o assumido líder da principal claque faz parte dessa elite que marca, por exemplo, presença nas referidas galas, é alguém que a própria liderança do FC Porto reconhece como tendo importância, impacto, peso e voz no universo do clube. Não é, pois, um adepto como qualquer outro. E parece, por outro lado, ser muito mais do que um simples líder de uma claque.

Em Portugal, nenhum outro líder de claque tem a importância que é dada pelo próprio FC Porto ao chefe da sua principal claque. E nem mesmo nos anos dourados da Juventude Leonina, quando conhecidos líderes da claque tinham, igualmente, peso e impacto na relação entre clube e adeptos, nem mesmo nesses anos, dizia, o Sporting deu aos líderes da sua principal claque o protagonismo que o FC Porto dá ao chefe da principal claque do clube.

Talvez por isso, o treinador portista parece levar a mal quando o líder da principal claque vem para as redes sociais desferir ataques ao caráter do treinador e, imagine-se até o despudor, à condição de pai que o treinador do FC Porto tem vivido relativamente a jogadores do clube, como é, ainda, o caso, agora, do jovem Rodrigo Conceição, único filho do treinador no plantel atual, depois da controversa saída, para o Ajax, do irmão Francisco, em julho.

Têm os adeptos, e, sobretudo, os sócios do FCP e de qualquer outro clube, o direito de se manifestar sobre tudo o que diga respeito à vida das instituições que seguem e amam, e tiveram, naturalmente, todo o direito de ficar incomodados com a saída (e como ela aconteceu) do jovem Francisco Conceição e de, por isso, criticar os responsáveis do clube. Outra coisa, totalmente diferente, é ver-se o chefe da principal claque do FC Porto, rosto promovido, considerado e respeitado pela governação do clube, expor nas redes sociais, como expôs, ataques pessoais ao treinador portista. Não foi, aliás, a primeira vez que o chefe da principal claque se manifestou contra o treinador, e muito menos a primeira vez que o treinador o levou a mal, apesar de vir, depois, como veio, mal disfarçadamente, dizer que não responde «a adeptos».

Talvez já ninguém se lembre, mas valerá a pena recordar, por exemplo, o agressivo e marcante episódio de Vila do Conde, em abril de 2019, quando o líder dos Super Dragões comandou manifestação, na bancada, contra a equipa e treinador, após empate, 2-2, com o Rio Ave, já no final do campeonato que o FC Porto perderia para o Benfica, depois de desperdiçar a vantagem de sete pontos que tinha no final da 1.ª volta. Naquela noite, o líder da claque tirou a camisola e atirou-a para o relvado em sinal de agressivo protesto, e quando a equipa se aproximou da bancada, deu ordem para que nenhum elemento da claque a aplaudisse. «Se querem assobiar, que me assobiem a mim. Vou embora no final da época, não há problema. Sou eu que treino os jogadores, se há algo negativo a acontecer é o treinador que paga, tenho de assumir a responsabilidade. Se não fizer bem o meu trabalho, pego nas minhas malas e vou embora, não há problema absolutamente nenhum», foi o que Sérgio Conceição, recordo, disse logo após esse empate em Vila do Conde, surgindo na conferência de imprensa visivelmente agastado, com o resultado, sim, mas sobretudo com a reação vinda da bancada dos adeptos portistas, que fez com que respondesse como respondeu.

Campeão no ano anterior, o da chegada de Sérgio Conceição, em 2019 o FC Porto perderia o campeonato para o Benfica, e também a Taça, para o Sporting, o que colocou a equipa sob maior pressão para a época seguinte. O empate (1-1) na Madeira, logo à 9.ª jornada, em outubro ainda de 2019, reacendeu a fogueira dos adeptos, e fez saltar a tampa ao treinador, na conferência ainda no Estádio dos Barreiros. Lembram-se do que ele disse? «No fim, gostamos de receber palmas quando ganhamos, mas também gostamos que reconheçam essa determinação que temos no jogo quando perdemos. Todos juntos somos muito fortes. Sei que para as redes sociais é fantástico, vão insultar-me…»

«(…) Mas estou a marimbar-me para isso. Estou a cagar-me para isso, como se costuma dizer. Estou com vontade de dizer isto: estou a cagar-me para isso. Estou focado na minha equipa e em lutar para ser campeão outra vez este ano». Mais uma vez, acusava o protesto da claque e voltava, involuntariamente, admito, a encher o peito do líder dessa claque, porque quanto mais o treinador reagia, mais importância, creio, estaria a dar-lhe. E deu!

O pior estaria, porém, ainda, para vir. Em novembro de 2019 deu-se o episódio festa da mulher de Uribe, que, na altura, levou ao afastamento de uma convocatória dos sul-americanos Uribe, Saravia, Marchesín e Luis Díaz, e a 17 de janeiro de 2020, após a derrota (1-2), no Dragão, com o SC Braga, os lenços brancos dos Super Dragões (mas não só) levaram o treinador, mais uma vez, a não se conter. «Quando ganho, batem palmas, quando perco assobiam e mostram lenços. Os lenços brancos, esses, utilizo-os para me assoar ou para limpar o suor do meu trabalho (…) Não me condicionam.»

Acontece que o SC Braga voltou a ser a besta do dragão poucos dias depois, quando, a 25 de janeiro desse mesmo ano de 2020, bateu os portistas (1-0, golo de Ricardo Horta, nos últimos instantes da compensação) numa dramática final da Taça da Liga, quando, pelo meio, o líder dos Super Dragões já manifestava, numa entrevista, que o treinador do FC Porto era «o principal responsável pelos maus resultados».

«Só Pinto da Costa é intocável no clube», disse, então, o líder dos Super Dragões nessa entrevista. «O Sérgio tem de sentir que não é ele que manda ali, ele não é o Porto. O Porto somos nós», acrescentaria. Em Braga, naquela noite, derrotado nos últimos instantes da final da Taça da Liga com o SC Braga, o treinador portista explodiu, e, em poucos segundos e em pouquíssimas palavras, disse: «Temos de olhar para dentro. (…) É preciso responsabilidade coletiva. Não estou a falar do grupo de trabalho, é toda a gente. É difícil trabalhar em determinadas condições», afirmou, sabendo perfeitamente que todos entenderiam as suas palavras.

Depois de considerar o primeiro ano (2017/2018) «muito difícil» por ter enfrentado a época «sem reforços e sem dinheiro», ainda que tenha conseguido o título de campeão nacional, o treinador portista não conteve o desabafo pelo segundo ano (2018/2019), assumindo que a equipa foi vítima da «falta de verdade desportiva». «Este ano (2019/2020), sem união dentro do clube - concluiu o treinador logo após a derrota naquela final da Taça da Liga, em Braga - o meu lugar está à disposição do presidente.»

O filme de um certo tipo de confronto entre treinador e estrutura da SAD, ou treinador e líder da claque, como se vê, já vem de longe. E agora que volta a estar relativamente por cima (vitórias categóricas sobre SC Braga, Leverkusen duas vezes, e ainda Portimonense), e quando se aproxima um clássico com o Benfica que pode, evidentemente, render-lhe juros, quis o treinador do FC Porto deixar, de novo, a sua marca. E deixou. Falta saber a que preço.