O cerco a Pedro Proença
PEDRO PROENÇA deixará, muito provavelmente, de ser presidente da Liga Portugal no dia 9 de junho. É esse, pelo menos para já, o cenário mais provável, embora nesta bipolaridade constante em que vive o futebol profissional português nunca se deva assumir nada como certo antes de acontecer mesmo. Ainda assim, e sabendo-se o que se sabe sobre o que foi dito na última reunião - e o que, não se sabendo, se diz que se disse nos dias antes... -, é quase certo que os tempos de Proença como presidente da Liga estão contados. Está, portanto, de saída, um ano depois de ter sido reeleito com 46 dos (note-se...) 48 votos possíveis.
É claro que Pedro Proença cometeu, ao longo dos anos, erros. Vários, provavelmente. Mas não deixa de ser irónico que aquele que acaba por empurrá-lo para fora da Liga tenha na sua origem uma ideia defensável, com base naqueles que são os interesses sociais num período excecional. Aliás, ainda ontem a ministra da Saúde foi clara ao referir que não serão permitidos ajuntamentos em cafés, bares ou restaurantes para ver um jogo de futebol. Quando escreveu ao ministro da Economia e ao Presidente da República a pedir ajuda para convencer (ou dar um incentivo) as operadoras a permitirem jogos em sinal aberto o presidente da Liga estaria, decerto, a pensar essencialmente na importância de manter o futebol um espetáculo acessível a todos e não apenas àqueles que podem gastar quase 30 euros - que são 40 para quem quiser, de facto, ter a possibilidade de seguir em direto todos os jogos da Liga Portuguesa - por mês, que serão, nesta altura, previsivelmente menos do que eram antes da pandemia nos virar a vida, e as finanças, do avesso.
Deveria Proença ter falado disso antes com os clubes? Sim. Deveria, se calhar antes até de conversar com os clubes, ter dessa intenção dado conta às operadoras? Claro que sim, tendo em conta a importância que as mesmas têm nas finanças do futebol português - e tendo em conta que o principal patrocinador do campeonato principal é uma operadora. Mas terão sido, efetivamente, esses os grandes erros de Pedro Proença? Não. O principal, perceba-se, foi ter-se intrometido nos interesses de um monopólio de milhões onde apenas há lugar para um player - dois, desde que há uns anos o Benfica, que era, convenhamos, o único em condições de fazê-lo, decidiu enfrentar o status quo vigente -, que, pela sua relevância financeira para orçamentos sem muito mais receitas, exponencialmente aumentada numa altura em que até as poucas receitas de bilheteira vão desaparecer, impõe a sua vontade aos clubes. E, por serem os clubes que mandam na Liga, manda e desmanda à sua vontade também no futebol profissional em Portugal. É, há muitos anos, uma pescadinha de rabo na boca. Uma realidade a que nenhum presidente da Liga consegue fugir. Nem Proença, nem os que lá estiveram antes dele. Nem o que vier a seguir. E, provavelmente, nem o que vier depois desse. Até que alguém meta mão nisto e diga, de forma clara, que os clubes, sendo a Liga, não podem mandar na Liga. Até lá, teremos de nos conformar com a ideia de que o futebol profissional em Portugal será aquilo que os clubes, e quem neles manda (e nem sempre são os presidentes), quiser que ele seja. O que, convenhamos, conhecendo a nossa realidade, não augura nada de muito positivo.
Veja-se a diferença: por não estar dependente da vontade dos clubes das competições que organiza, a FPF aproveitou a crise exponenciada pelo vírus para criar regras ainda mais apertadas que lhe permitam acabar de vez com a vergonha financeira a que todas as épocas assistimos, com um encolher de ombros, no Campeonato de Portugal. Por estar dependente dos clubes, a Liga não consegue, sequer, fazer com que deixem de ser eles a aprovar as regras que regem o futebol profissional, possibilitando-lhes continuarem a viver num circo que apenas a eles próprios parece divertir. É o futebol que temos. E que, pelos vistos, queremos continuar a ter.