O cavalheiro Carlo

OPINIÃO19.01.202205:55

Ancelotti, treinador do Real Madrid está a caminho de fazer história mais uma vez. Quase sem se dar por ele, é um ícone do futebol

HÁ treinadores que nunca passam despercebidos. José Mourinho, Jurgen Klopp, Antonio Conte, Diego Simeone e Jorge Jesus, por exemplo, pertencem ao género expansivo-histriónico. Gritam, vociferam, gesticulam, fazem teatro, caretas, e interagem facilmente com jogadores e adeptos no decurso do próprio jogo. Às vezes passam um bocadinho das marcas (quem esquece a imagem de Simeone voltado para os adeptos com as mãos nos huevos?). Fora do campo também dão nas vistas graças ao verbo fácil e à imagem forte - lembre-se como Klopp e Mourinho são requisitados para anúncios publicitários de marcas globais. Depois há os treinadores da linha low profile. Menos expansivos, mais discretos, pouco dados a gritos e gesticulações. Quase não se dá por eles no banco, o que não quer dizer que não sejam tão bons ou melhores que os expansivos. Como Carlo Ancelotti, treinador do Real Madrid, mas também Zidane, Pellegrini, Pochettino, Mancini, Allegri, Southgate, Blanc, Paulo Fonseca, Luís Castro e tantos outros. O caso de Ancelotti merece uma abordagem especial num tempo em que a imagem e a capacidade de comunicar são consideradas ferramentas fundamentais na indústria do futebol; num tempo de urgências e facilitismos em que um sound bite bem esgalhado incendeia rapidamente as redes sociais e pesa mais que uma entrevista de fundo sumarenta que ninguém tem tempo/paciência para ler. Quando penso em Ancelotti, cuja carreira (como jogador e treinador) acompanho desde o início, penso num longo rio tranquilo que fez o seu caminho sem perturbar ninguém nem inundar vilas e aldeias no trajecto para o mar. 

E que formidável caminho fez este Ancelotti, um homem civilizado de trato gentil, afável, cavalheiresco, incapaz de se envolver em polémicas ruidosas e questões menores. Um homem a que os media dedicam muito menos espaço/atenção do que a Guardiola, Klopp e Mourinho. E, no entanto, estamos a falar de um dos melhores e mais titulados treinadores da história do futebol, um homem com um percurso e um currículo à prova de bala (Reggiana, Parma, Juventus, Milan, Chelsea, PSG, Real Madrid, Bayern, Nápoles, Everton, novamente Real Madrid), que foi, entre outras coisas, o primeiro a ganhar por três vezes a Champions e aquele que mais títulos internacionais apresenta no currículo (nove), acima de Ferguson, Guardiola e Trapattoni.  

Anteontem, no rescaldo da vitória na Supertaça espanhola (2-0 ao Ath. Bilbao em Riade), o diário madrileno AS fez manchete com Ancelotti chamado-lhe «superstar» e dizendo que o italiano, de 62 anos, é a chave do êxito deste Real Madrid porque «melhorou o estado físico do plantel, reabilitou Vinícius e facilitou a química Militão-Alaba». Claro que a conquista da Supertaça é um detalhe menor se pensarmos na dimensão da carreira de Ancelotti e no facto de ele estar cravado na história do Real Madrid desde a inesquecível conquista de La Décima em Lisboa, 2014 (4-1 ao Atl. Madrid de Simeone com golos de Ramos, Bale, Marcelo e Cristiano). Que Ancelotti  está a fazer um trabalho competente com um plantel carregado de trintões excepcionais (Benzema, Kroos e Modric à cabeça) e um jovem Vinícius a caminho do estrelato é um facto… que não pode ser dissociado do enorme estoiro do Barcelona e da mediocridade futebolística do Atlético, campeão em título. Líder da Liga tendo por único adversário o Sevilha de Lopetegui, tudo indica que Carlo vai finalmente conquistar o único troféu que lhe faltava em Espanha e, atenção!, tornar-se o primeiro treinador a ser campeão nas cinco principais ligas europeias.

Não sei que lugar a história reserva para don Carletto. Para mim estará sempre entre os maiores. Um cavalheiro!
 

JUSTIÇA PARA CRISTIANO 

AFIFA teve um gesto bonito para Cristiano na gala do The Best: convocou-o para lhe oferecer um troféu especial por ter batido o recorde mundial de golos por selecções (115) em 2021. Ronaldo acabou por ser o único a marcar presença física na gala virtual - ao contrário do (justo) vencedor Lewandowski, Messi, Salah e outros nomeados/premiados -, ele que fez mais uma vez parte do XI do ano da FIFA (Rúben Dias estreou-se, bravo!). Eleições deste tipo foram, são e serão sempre subjectivas - basta lembrar a polémica que houve com a atribuição da última  Bola de Ouro a Messi. Golos, recordes e títulos são coisas factuais, incontestáveis, irrebatíveis, não dependentes de votações, afectos e preferências. Foi isso que a homenagem da FIFA lembrou. É esse o verdadeiro campeonato de Ronaldo. 
 

VARANDAS SEGURO 

MESMO não sendo um orador de excelência, julgo que Frederico Varandas deixou boa imagem na entrevista à CNN. Claro que é mais fácil brilhar em tempo de vitórias e títulos (que também são mérito dele e da equipa que escolheu, atenção) e quando a oposição está reduzida a pouco mais que murmúrios e Bruno de Carvalho enfiado num reality show. Mas é um facto que Varandas esteve seguro, confiante (permitindo-se mesmo brincar com o dossier continuidade-de-Amorim) e assertivo nos temas que interessam aos sportinguistas. Confirmou a recandidatura e mostrou uma coisa importante: tem um caminho para o clube e não vai desviar-se dele. Foi muito claro nesse aspecto e, não por acaso, sublinhou por mais de uma vez que o fosso de quarenta anos para os rivais «não está fechado» e que há ainda muito por fazer. Voltando a manifestar desdém pelos que surgem envolvidos em escutas passadas e presentes, sejam do FCP ou do SLB, e esquemas obscuros, Varandas tocou numa nota cara aos adeptos sportinguistas: «O Sporting tem muito orgulho em ganhar e, para nós, a maneira como se ganha tem o mesmo valor.» Ou seja: ganhar limpo é outra coisa…