O cão e a luta
A Capital do Eça é A Capital do Artur Corvelo, filho do escrivão de Direito que após crescer débil e efeminado, indo estudar para Coimbra se entregou à boémia e à poesia - e que depois de falhar o curso (e a meretriz de quem se enamorara o ter trocado por um caixeiro) se aconchegou à casa de duas tias, a Sabina e a Ricardina, tornando-se praticante de botica sem largar sonho que era o seu devaneio: «Triunfar pela literatura». Mas A Capital do Eça é também A Capital do Albuquerquesinho, viúvo comensal das tias de Artur que lhes carregava a casa de um «tédio taciturno» quando não se deixava arrastar pelas suas alucinações (sendo o que não era).
Passando o dia entretido a fazer paciências, não se podendo dizer que fosse «doido declarado para ir para Rilhafoles», atiçado por «delírios de grandeza» passava, então, a ter-se por almirante ou «chefe de esquadras» que comandava do seu quarto. Adornado de galões de papel como se fossem divisas de almirante, «vociferava ordens de comando em termos náuticos», em tudo o que dizia punha-lhes ideias alusivas: por exemplo o «mar picado» a pretexto de uma diligência ou o «porão» a propósito de um comboio - e, increpando contra Artur, via-o «pirata», tratava-o como «mau pirata», iludido nas suas certezas.
É, o Albuquerquesinho é boa metáfora para o que é a mente: tanto pode ser a arma mais poderosa que temos a nosso favor como a mais destrutiva que temos a nosso desfavor. No futebol ainda mais do que na vida. E o que eu voltei a ver no FC Porto contra o City foi que com Sérgio Conceição (por mérito seu, claro) não há hipótese de um resquício sequer do Albuquerquesinho entrar na cabeça dos seus jogadores, traindo-os em desvarios (ou pior...) Mas mais vi: que ele, o Sérgio, é mesmo genial no modo como ainda consegue que, no coração que os seus jogadores têm nos pés, haja sempre aquela frase do Magic Johnson (também sem nada de Albuquerquesinho):
- Importante não é o tamanho do cão na luta, é o tamanho da luta no cão...