O caminho das trevas!...
Nos idos anos de 1973, eu não seguia tão de perto o Sporting, a não ser os jogos de futebol, quando tinha oportunidade de me deslocar a Alvalade, uma vez que cumpria o serviço militar, como alferes, no Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, em Tavira. Da vida interna do clube não tinha muito conhecimento, mas lembro-me perfeitamente, quase como se fosse hoje da eleição, em 29 de Março de 1973, de Orlando Valadão Chagas para o mandato mais curto da história do Sporting Clube de Portugal, porquanto, no dia seguinte foi convidado por Marcelo Caetano para fazer parte do Governo do País, como secretário de Estado da Juventude e dos Desportos. Assim, no dia 4 de Abril de 1973 tomou posse formalmente mas renunciou logo de seguida ao cargo de presidente do Sporting, dando origem a uma crise directiva e sendo substituído apenas interinamente pelo seu vice-presidente dr. Manuel Nazareth, que geriu o clube até que fosse escolhido um novo presidente do Sporting, pois afirmou não desejar ser presidente, por não ter capacidade e tempo para o desempenho do cargo. Tempo acredito, mas capacidade foi fruto da sua humildade, pois tratava-se de um excelente médico e de um homem que conhecia o Sporting, para além se ser um homem inteligente, culto e com grandes contactos ao mais alto nível do Estado, antes e depois do 25 de Abril. Vizinhos de residências e consultórios, tivemos um relacionamento muito próximo, sempre tendo por ele muita estima e elevada consideração. Como se vê, os reinados curtos, já vêm de longe. Assim viesse a humildade!...
A este tempo de distância, e dada a distância que então tinha dos problemas do meu clube, já não me recordo se a crise directiva era consequência da crise financeira ou se foi a crise directiva que causou a crise financeira. Como mudam as coisas com o tempo: as crises financeiras não determinam crises directivas, porque ser presidente não deixa de ser financeiramente interessante!...
Acontece que a 6 de Setembro de 1973, desviado de uma candidatura a presidente do Vitória de Setúbal, João Rocha era empossado como presidente do Sporting Clube de Portugal e nesse lugar permaneceu até Setembro de 1986 - treze anos! Disto me lembro perfeitamente porque João Rocha despertou em mim um grande entusiasmo com a sua visão e um projecto para o Sporting, que passava pela criação da Sociedade de Construções e Planeamento. A mim e a todos os associados, mesmo naqueles com uma visão mais conservadora do clube.
Gorada, pela alteração política, essa visão de uma sociedade anónima, com vasto e valioso património, como motor económico-financeiro do futebol, já ao tempo a necessitar de maior investimento e de uma gestão profissional, João Rocha apostou nas modalidades, dentro da perspectiva que o futebol não lhe daria a primazia, mas o Sporting continuaria a ser a maior potência desportiva nacional, e hoje uma das maiores da Europa, na sequência aliás da visão do Visconde de Alvalade. Disse-me isto muitas vezes e a isto se referiu, pelo menos, numa entrevista, quando já não era presidente do Sporting.
Ao longo dos anos de João Rocha, e dos que se lhe seguiram, o Sporting tem mantido vivo o seu ecletismo triunfador, por vezes vivendo com a casa às costas, como aconteceu entre o derrube do velho pavilhão e os baixos da chamada nova bancada e a construção do Pavilhão João Rocha, hoje orgulho de todos os sportinguistas e homenagem justa ao presidente que lhe deu o nome!
E porquê? Porque os seus dirigentes, os mais directamente ligados a cada uma das modalidades, sempre se comportaram com esforço, dedicação e devoção. E sobretudo porque têm sido competentes, tendo havido ao longo dos tempos aquilo que alguém com sensibilidade e sentido do rigor designou por «competências residentes».
E enquanto ninguém sabe de cor quantos títulos foram conquistados nessas modalidades entre 1974 e 2019 (45 anos), todos nós (ou alguns de nós) contamos, pelos dedos de uma mão, a conquista do campeonato nacional de futebol - 1974, 1980, 1982, 2000 e 2002.
O caminho desportivo das diversas modalidades do Sporting Clube de Portugal, clube fundado em 1906, continua glorioso e pujante, sem grandes preocupações, embora o futebol, ainda que independente, possa criar, directa ou indirectamente, alguns obstáculos.
O futebol, hoje gerido pela Sporting SAD, em cerca de vinte anos, ganhou apenas dois campeonatos, e salvo algumas e honrosas excepções, não tem tido competência residente regular e contínua!
É pois a sociedade anónima desportiva, Sporting SAD, que tem que encontrar o caminho, designadamente, outro caminho para a sua gestão. É tempo da sociedade anónima desportiva do Sporting Clube de Portugal sair do caminho das trevas, da escuridão, do obscurantismo, desse caminho de falta de luz intelectual e conhecimento, numa palavra, da ignorância do que faz ou deixa de fazer. Desse caminho de mentira e pouca transparência, sem objetivos definidos, sem rumo, como que ao sabor do vento.
O Sporting não tem outro caminho, no futebol, para se reinventar, que não seja através da SAD, procurando mais competência nos recursos humanos, sejam desportivos ou administrativos, buscando o investimento noutras paragens, procurando parceiros que lhe iluminem o caminho, definindo claramente os objetivos, optando sem hesitação pelos superiores interesses do Sporting que só podem ser defendidos em caminhos iluminados e não nos caminhos das trevas.
Rui Calafate, com a sua habitual lucidez, escreveu ontem que «Varandas sabia para onde vinha»; aquela lucidez que me vai faltando por não saber para onde vai Varandas! Alcochete agravou o caminho das trevas, mas é altura de pagar a conta e iluminar o caminho!
Golos de Letra
Éo título de um interessante livro apresentado por Vítor Serpa - diretor deste jornal e meu vizinho da página ao lado - na passada segunda-feira, numa linda sala da Sociedade de Geografia, sobre a relação entre o desporto e a literatura.
Estive presente, no meio de intelectuais, jornalistas, atletas e ex-atletas e dirigentes, que se aperceberam quão interessante foi essa pesquisa de exemplos da relação entre o futebol e os escritores da língua portuguesa.
Felicito Vítor Serpa pela ideia e, sobretudo, pela sua execução. O futebol de letra venceu o futebol da treta!...