O Boavista não pode 

OPINIÃO05.12.201803:00

Oque se passou nos últimos dias em relação ao FC Porto por parte da opinião dita e publicada atesta bem a cultura de inveja dos medíocres, que, sendo tributária de uma mais vasta cultura geral que infelizmente nos distingue em diversas áreas, não deixa de ser particularmente gritante no futebol. Vejemos.

No último fim-de-semana de Novembro, retomando-se o futebol de clubes com jogos da Taça de Portugal, enquanto que o Benfica viu-se e desejou-se para, com uma exibição miserável e só ao fim de 5 minutos de prolongamento, levar de vencida na Luz uma equipa da segunda divisão (e jogando com o onze principal), o FC Porto, poupando cinco titulares, vencia, com competência e naturalidade, o primo-divisionário Belenenses no Dragão. Mas quem a imprensa arvorou em herói da eliminatória foi o Sporting, que foi a campo neutro vencer o Vildemoinhos, equipa amadora do Campeonato de Portugal, depois de ter estado empatado ao intervalo e sofrido toda a primeira parte. Na terça-feira, o Benfica foi, direi naturalmente, sovado em Munique e mais uma vez afastado da fase seguinte da Champions, sem brilho nem glória. É verdade, também aconteceu o mesmo ao Porto ali, há uns anos atrás, mas então os azuis e brancos foram vítimas de um guarda-redes inepto e impreparado para desafios daqueles, enquanto que o Benfica foi salvo de massacre maior justamente pelo excelente guarda-redes que tem. No dia seguinte, resgatando a honra do convento, o FC Porto deu 3-1 ao Schalke 04, que podiam e deviam ter sido mais, tão brilhante foi a segunda parte dos portistas - seguramente, o melhor futebol que se viu este ano em relvados portugueses. Sim, eu sei, o Schalke não é o Bayern, mas também o Bayern deste ano não é o do ano passado nem o de há dois anos e, por mais que fosse «acessível» o grupo do Porto (se é que isso existe na Champions), chegar à quinta jornada com quatro vitórias e um empate não é para todos. Ou melhor, em termos de equipas portuguesas, não é para ninguém mais que não o Porto. O resto é conversa e devia merecer respeito - quanto mais não fosse, pelos pontos que os portistas arrecadam para o ranking europeu de Portugal e que permitem a outros clubes portugueses terem acesso a essa Europa... e fazerem as habituais tristes figuras que fazem.

E chegámos ao fim-de-semana passado e nova jornada do campeonato, a abrir com um Benfica-Feirense, na Luz. Depois da rábula treinador despedido - treinador readmitido, Rui Vitória estava outra vez embrulhado em lenços brancos no final de uma primeira parte de futebol absolutamente lamentável dos encarnados. Mas no segundo tempo, o inevitável e precioso Jonas, fez o 1-0, seguindo-se um patético auto-golo e dois golos facilitados pelo guardião da Feira. E o enterro virou festa, Rui Vitória acabou a assinar lenços brancos, Viera virou visionário. Depois, veio o Porto-Boavista e, a fazer fé na imprensa benfiquista e sportinguista - ou seja, quase toda - tudo se resumiu a uma única coisa: um penalty flagrante cometido por Brahimi sobre Rochinha e que indecentemente escapou ao árbitro e ao VAR. E nada mais, absolutamente nada mais, mereceu destaque no jogo, numa «suja vitória» portista, como a classificou o ayatollah da imprensa benfiquista, compreensivelmente exasperado por ter visto o golo da vitória dos dragões surgir ao minuto 95 e não poder enxergar nele a menor irregularidade. Num rápido zapping pelos canais televisivos, detive-me sobretudo no programa Livre Directo, da TVI. Aí, enquanto um elegante Miguel Guedes dizia que, em sua opinião, tanto podia ser penalty como não e até aceitava a sua marcação, e enquanto tentava em vão chamar a atenção para o mais importante do jogo, os outros dois intervenientes só queriam falar do penalty e nada mais. Um histérico José Pina, em tom e linguagem de arruaça que parece ser muito popular, ultrapassava todos os que falavam do «toque» de Brahimi no pé de Rochinha, dizendo e repetindo ter-se tratado de uma «cacetada». E o inefável deputado Telmo Correia, que antes de abrir a boca já todos sabem o que vai dizer, proclamava o jogo desvirtuado, o campeonato desvirtuado, o mundo desvirtuado e até sibilinamente insinuava o golo estranhamente consentido. Pois que, pela verdade dele e pelo que está à vista de todos, quem deveria ir na frente, pelas muitas virtudes exibidas em campo - apesar da Champions, apesar dos lenços brancos, apesar das noites de insónia e de luz do presidente - era, claro, o Benfica. Entretanto, um painel, que parecia de defuntos desenterrados via skype, classificados como «especialistas», juravam também pelo indiscutível toque de Brahimi na perna do outro. Tudo com um pequeno pormenor: jamais, neste programa, na transmissão da Sport TV ou em lado algum, nos foi mostrado o dito toque. Aqui, em A BOLA, Duarte Gomes escreveu textualmente o seguinte: «Rochinha adiantou a bola e caiu, após lance com Brahimi. A jogada foi de avaliação muito complexa, por haver dúvidas sobre quem promoveu o contacto. Só isso legitima a não intervenção do VAR e também que se suporte a opção do árbitro. Depois de ver e rever o lance várias vezes, ficámos com a ideia de que o castigo máximo teria sido a melhor opção». E eis como uma opinião com tantas dúvidas e resultado de tantas revisões foi traduzida na primeira página do jornal: «A opinião de Duarte Gomes: penalty por marcar contra o FC Porto». A título de comparação, veja-se o que o mesmo Duarte Gomes escreveu sobre um lance da vitória do Sporting em Vila do Conde, quando havia 1-1: «Mathieu arriscou no corte mas foi apenas Vinícius, avançado do Rio Ave, quem tocou na bola. Era penalty para a equipa vila-condense». E também adiante escreveu que Acuña deveria ter sido expulso aos 47 minutos. Alguma coisa a assinalar na primeira página? Não, apenas o título garrafal «Kategórico» para a vitória do Sporting...

Para me lavar a alma, no meu zapping de domingo, também fui parar a um  programa da RTP 3 onde o ambiente era saudavelmente diferente. Para começar e desde logo, tanto o comentador sportinguista como o benfiquista descartaram o suposto penalty, fazendo notar como o jogador do Boavista já ia em queda contra Brahimi. Depois, sobretudo João Gobern (o único benfiquista habitante televisivo que merece respeito e merece ser ouvido), disse aquilo que de essencial havia para dizer sobre o jogo do Bessa:

- que nos primeiros vinte minutos não houve praticamente jogo, tamanhas foram as interrupções promovidas pelos jogadores e banco do Boavista, com o objectivo de evitar que o FC Porto pegasse no jogo desde o início;
- que, a partir daí, o FC Porto, e apenas o FC Porto, foi à procura da vitória sem desfalecimentos, e que o facto de a ter conseguido a segundos do final só mostra a vontade e a confiança da equipa;
- tanto mais notável quanto vinha do desgaste de um jogo de alta competição europeia a meio da semana;
- que, mais uma vez, Sérgio Conceição arriscou tudo para ganhar o jogo, metendo, uma após outra, todas as armas ofensivas de que dispunha;
- que não é aceitável a violência (não simples dureza) com que o Boavista jogou desde o início - por mais tradicional que seja.

E a isto, eu tenho a acrescentar apenas o seguinte: aquela violência, que talvez esteja no ADN do clube, apesar de tudo, não era natural: havia ali jogadores com uma máscara de raiva que era mais própria de uma guerra civil do que de um jogo de futebol. E, obviamente, ela não nasceu por decisão espontânea dos jogadores: foi uma decisão táctica de quem prefere entrar em campo para dar porrada, intimidar, aleijar se necessário, do que para jogar à bola. Mais do que um jogo, o FC Porto ganhou um combate. E fiquei com a ideia de que havia muita gente que já sabia o que esperava os portistas no Bessa.