O Benfica despertou
Para uma demarcação nítida de fronteiras, Rui Costa elegeu um treinador que se situa nos antípodas do rival portista. Vincou-o na vitória que alcançou no Dragão
NO princípio, foi o prenúncio da desgraça do Benfica, com um presidente inexperiente a escolher um treinador, sabe-se lá onde, pouco conhecido. Uma aposta de risco elevado e que imensas dúvidas suscitou. Depois, o plantel foi emagrecendo, libertando-o do excesso de gente vulgar que por lá cirandava. Nada de especial, porém, fez-se o que devia ser feito.
As reticências mantiveram-se por mais algum tempo, mas assim que a bola começou a rolar muitas das nuvens que encobriam o sol esfumaram-se e a vontade de mudar adquiriu força inimaginável, erguida sobre vitórias que rivais e analistas começaram por desvalorizar, atribuindo o aparente sucesso encarnado a uma fase passageira de pouco significado e mais tarde a uma gentileza do calendário da Liga, que, nas primeiras jornadas, escalou adversários fracos para a águia poder brilhar.
O problema é que este Benfica recuperou depressa o gosto de ganhar e vincou-o na vitória que alcançou no clássico do Dragão, embora prontamente apoucada por quem recusava aceitar as evidências que uma nova realidade lhe colocava à frente dos olhos. Sim, argumentaram, não tivesse sido a expulsão de Eustaquio e tudo teria sido deferente. Talvez, mas, diz o ditado popular, o pior cego é aquele que não quer ver e os especialistas nas áreas do treino e do comentário tardaram em convencer-se de que o alemão inventado por Rui Costa não era aquele treinadorzinho condenado a chacota geral.
NA altura em que os mandantes portistas deram pelo erro já tinham ficado para trás. Por uma razão simples (e foi isso o que os traiu), esqueçam lá as táticas, as estratégias e os truques, Roger Schmidt está a impor-se pela simplicidade, pela cortesia e, principalmente, pela competência e por um estilo novo entre nós na arte de comunicar, feito de respostas curtas, com uma linguagem por todos entendida e vacinada contra blocos, pressões e transições, quanto a mim a epidemia em voga e que tolhe o raciocínio de quem por ela se deixa capturar.
O Benfica agradece o desinteresse dos oponentes. Foi percorrendo o seu caminho e o que se pensava ser uma fase irrelevante e passageira é, afinal, muito mais do que isso, como os resultados e as exibições testemunham em todas as frentes desportivas.
A paragem provocada pela realização do Mundial do Catar vai ser tempo de reflexão sobre a nova realidade no futebol luso, a qual nos apresenta um Benfica despertado de sono estranho que desde há três anos, nomeadamente, o retirou da luta por títulos e, em concreto, palavras sábias de Roger Schmidt, ainda nada mudou. É preciso esperar pelo fim da época e ter conquistas para oferecer aos adeptos. Isso é verdade, mas também não é mentira afirmar-se que esses mesmos adeptos acreditam no projeto em marcha que, como já referi neste espaço, tem o objetivo supremo de recolocar a águia entre a elite do futebol mundial.
PROMESSAS, apenas promessas, argumentarão os clubes rivais. Sim, estamos a meio da época, mas os sinais emitidos creio serem suficientemente indiciadores de uma alteração irreversível. É uma questão de tempo e é isso que deve preocupar as altas patentes do dragão, o campeão em título, temendo que desta vez a resposta da águia, além de mais afirmativa, esteja, como parece, solidamente alicerçada, isto é, não se resuma a uma reação ocasional, sem consequências de curto e médio prazo, como sucedeu no passado recente.
Por outro lado, e não menos importante, Sérgio Conceição, o sustentáculo do sucesso desportivo do FC Porto nos últimos cinco anos e das generosas recompensas financeiras que dele advieram, parece mais isolado a pregar num deserto de ideias e de soluções, sem se dar conta que o seu discurso ruidoso, agressivo e desajustado numa sociedade moderna é cada vez menos patrocinado do lado de dentro e menos ouvido do lado de fora. Porque cansa e porque ninguém lhe fez ver que essa bipolaridade comportamental, de se revelar cortês nas vitórias e agreste nas derrotas, corrói a sua imagem. Se há os que gostam, existe, igualmente, quem reprove, naturalmente.
É minha opinião que Sérgio Conceição só tem a beneficiar se for trabalhar para uma liga maior, que o liberte destas gritarias bairristas que tanto o consomem e nas quais não deveria intrometer-se. Confundir o amor ao clube que serve com a profissão que exerce parece-me fazer pouco sentido
Para uma demarcação nítida de fronteiras, Rui Costa elegeu um treinador que se situa nos antípodas do rival portista. Ainda não o vimos reagir em cenário de derrota, o que muito agrada ao universo da águia, mas quando perder, e há de perder um dia, podem ficar descansados os antibenfiquistas, veremos como reage, acreditando eu que jamais descerá a níveis tão rasteiros.