O alvo é sempre Vieira

OPINIÃO16.06.202023:15

Com o circo montado e o cerco apertado não sei se haverá condições para  Bruno Lage inverter a tendência negativa de resultados, condenado por causa da sua simplicidade e pela  imagem de pessoa educada e tolerante, o suficiente para lhe passarem um atestado de incapacidade para exercer a profissão de  treinador  de futebol em Portugal.
As mentalidades vão mudando, mas devagar. No lusa paróquia continua a vingar um estranho conceito de aptidão para o exercício da função, valorizando-se mais a oratória trauliteira e a habilidade para vender promessas  do que a competência alicerçada na ideia e no conhecimento.
A Bruno Lage faltará tarimba, o que é normal, e desde há muito que  enfrenta invejas de quem convive mal com a sua ascensão. Invejas do  lado de dentro, as piores, como me parece ser claro e notório,  porque as que vêm de fora são naturais numa classe que reúne figuras íntegras, sérias e leais, mas que igualmente acolhe gente pouco recomendável, como se tem observado nos últimos dias, que é capaz  de ver um camarada  de trabalho em dificuldade e, em vez de o amparar, ou de não o prejudicar, lhe atira pedras para o fazer cair mais depressa.
Quando o barco começa a meter água todos se querem pôr a salvo, sem olhar a meios, de aí não ter escapado à curiosidade jornalística a enigmática frase de André Almeida a seguir ao empate em Portimão, sacudindo a água do capote ao afirmar que os jogadores fazem o que lhes é pedido. Com  certeza, mas  deveria ter sido mais explícito, até na qualidade de capitão de equipa. Disse uma coisa óbvia, mas garantidamente ninguém no seu perfeito juízo lhes terá pedido para jogarem mal, que é o que eles têm feito a partir de uma determinada jornada deste campeonato.  

Vieira distraiu-se e entreabriu a porta de saída a Lage na entrevista à televisão do clube, o que é uma aberração. Trata-se de uma aposta dele.
Contrata-se um treinador jovem,  com potencial e com passagem pelos vários patamares de formação do clube, que em meio ano consegue vencer um campeonato, dado como perdido; que na temporada seguinte mantém a tendência ganhadora, entrando na segunda volta com sete pontos de vantagem, embora a partir de uma certa jornada, sublinho este pormenor,  alguns jogadores passaram a esconder-se nos jogos, a equipa entrou em sub-rendimento  e no espaço de quatro jornadas perdeu a  liderança para o rival, pondo-se tudo em causa.  
Não faz sentido, e não foi por acaso que o presidente se indignou com a fraca atitude da equipa frente ao Tondela.
Anda no ar alguma coisa que não atinjo. Tomando como ponto de partida o primeiro campeonato no consulado de Vieira, em 2005, já lá vão quinze anos,  desde aí verifica-se que o domínio portista se foi diluindo para dar lugar a  um quadro de equilíbrio, com o prato da águia a pesar cada vez mais na balança. Repare-se: nos últimos 15 anos, oito campeonatos para o Porto e sete para o Benfica; nos últimos dez, seis para o Benfica e quatro para o Porto; e nos últimos seis anos, cinco para o Benfica e um para o Porto. A realidade é esta.
Até em Supertaças,  prova de eleição portista (21 contra 8 da águia), nas últimas seis edições o Benfica venceu quatro e o Porto uma, e em idêntico período os encarnados registaram duas conquistas na Taça da Liga e mais duas na Taça de Portugal contra um zero absoluto dos azuis e brancos nas duas provas.
Impõe também a justiça que se valorize a obra notável edificada, quer no complexo envolvente do Estádio da Luz, quer na academia do Seixal, sendo este um grandioso projeto ao nível do que melhor existe no mundo, que só agora o homólogo portista, como bandeira do seu 15.º mandato, se sentiu na obrigação de anunciar, ao fim de 38 anos na presidência.

Contrariando os críticos ferozes, sobretudo dentro do clube, Luís Filipe Vieira está a investir tempo e recursos na vertente desportiva, aquela a que os adeptos atribuem mais importância.  Diria que o processo está em marcha, se calhar não tão depressa quanto ele próprio desejaria, mas evolui e, como os números inequivocamente demonstram, a águia não só estabilizou como vai reforçando a sua influência no universo futebolístico, na certeza, porém, de não lhe ser possível ganhar sempre.  


A equipa perdeu qualidade este ano e Lage, em noite mal dormida, teve um sonho mau ao ver em  Taarabt, que é um monte de vulgaridades, o talento de João Félix e a classe de Jonas. Depois foi imprevidente em começar a época na excessiva dependência de peças que lhe estão a falhar. Foi o seu azar. E o do clube.
Acredito, no entanto,  que este caminho é para manter, de aí não enxergar a razão de tamanho  alarido, apesar de compreender a finalidade: atacar e desgastar Vieira, a trave mestra do Benfica, no presente e no futuro, enquanto a saúde lho permitir e os sócios quiserem. Ele é sempre o alvo a abater. Neste aspeto, os seus adversários, internos e externos, estão de acordo.


Nota final - Já que é para a loucura, se as estrelas fraquejam,  Lage deve ir à luta com os miúdos. Quem sabe se, finalmente, a formação começará a ser vista com olhos de ver…