O advento da tecnologia

OPINIÃO06.09.202206:30

Rejeitá-la é como viver num mundo sem telemóveis, computadores ou internet

ESTÁ a decorrer mais um Football Talks, evento organizado pela FPF e que reúne um conjunto de especialistas de áreas distintas, que refletem sobre tudo o que gira em torno do futebol. Trata-se de ciclo de palestras que constitui momento importante de aprendizagem para todos os que estão direta ou indiretamente envolvidos no fenómeno. Tive ontem o grato prazer de assistir, na qualidade de membro do Conselho Nacional do Desporto, a duas ações relativas à importância crescente da tecnologia na melhoria do espetáculo (não apenas a nível da arbitragem, como da performance, qualidade do treino, saúde, etc).

Sobre isto, há um dado que salta à vista: comparar o que tínhamos no passado com aquilo que hoje se encontra disponível é como comparar a beira da estrada com a Estrada da Beira. Nada, mas mesmo nada a ver. Só mesmo escutando a voz de quem sabe, de quem se dedica ao tema a tempo inteiro, de quem trabalha nos sítios onde recursos e meios existem para investigar, aperfeiçoar e implementar, percebemos a evolução e a expectativa que existe quanto ao muito que se pode alcançar num futuro não muito longínquo.

Um dos painéis a que tive o prazer de assistir chamava-se precisamente «Como a tecnologia vai melhorar o jogo». Os oradores convidados eram pesos-pesados no meio: Nicolas Evans (lidera a investigação, validação e implementação de novas tecnologias na FIFA), Sam Lloyd (CEO da Elite Sports da Hudl), Sean O’Connor (co-fundador da STATSports, líder mundial em análise de performance desportiva através da tecnologia) e o nosso Hugo Freitas (Diretor-coordenador na FPF e representante junto do IFAB para o Projeto VAR).  Perante as questões colocadas por Sérgio Krithinas, diretor-adjunto do Record e ontem moderador, todos convergiram num aspeto que importa sublinhar: o advento da tecnologia e a sua crescente introdução no desporto (não apenas no futebol) não pretende substituir o homem nem roubar-lhe espaço ou protagonismo; pretende dar-lhe ferramentas para que possa ter mais sucesso e cumprir com mais eficácia a sua missão nem sempre facilitada. A verdade é que o condutor que hoje não dispensa o GPS para chegar ao destino de forma mais rápida e menos stressante é o mesmo que, há uns anos, precisava de um mapa. As pessoas que ansiavam chegar a casa após um dia de trabalho, para telefonar à família e pôr a conversa em dia, são as mesmas que hoje falam com eles a qualquer hora do dia, através de SMS, Whatsapp ou videochamada. Não perderam o controlo, continuam a decidir o que pretendem, mas têm mais meios para tornar toda a sua tarefa rápida, eficaz e bem sucedida. Exemplo perfeito desse casamento - o da dicotomia tecnologia/homem - é o caso da arbitragem no futebol. Aos poucos, os sinais com as mãos e expressões faciais que eram feitos, em esforço e à distância, foram substituídos pelas bandeirolas-bip e, depois, pelo sistema de comunicação audio entre toda a equipa. Mais tarde, surgiram os relógios de monitorização de desempenho (apenas físico, mas fundamental para a sua progressão) e, recentemente, a tal inovação absolutamente determinante: a introdução da vídeoarbitragem. Pelo meio, apareceram as linhas tecnológicas do fora de jogo, antes colocadas pelos operadores televisivos, hoje pelo Técnicos de Imagem, na sala do VAR. 

O próximo Mundial (Catar-2022) será pioneiro em novo avanço, estreando oficialmente uma tecnologia de ponta, com recurso a IA, que promete avaliar posição de fora de jogo em cerca de dois segundos, sem intervenção humana. O investimento requer esforço operacional e financeiro tremendo e é mesmo só para quem pode (a FIFA pode). A verdade é que é oportuno, porque dará ao jogo mais justiça e celeridade, tirando aos árbitros o ónus de decisões que, em campo, podem ser muitas vezes impossíveis de tomar.

Rejeitar a tecnologia nos dias de hoje é como viver num universo sem telemóveis, computadores ou internet. É possível? É. Faz sentido? Claro que não.