O adepto fora da multidão
TEMOS de pensar nos clubes, claro, no espetáculo. Precisamos, em todo o caso, também de considerar o adepto, no que ele próprio cessa de ser sem a multidão na qual se punha. Ficará o mesmo? Apreciará da mesma maneira as coisas de que gostava antes?
Presumivelmente, não. Poderíamos consultar os clássicos, como o Psicologia das Multidões, de Gustave Le Bon, o francês central na história destes estudos das massas. Por lá se compreende melhor o que o nosso instinto nos diria sempre; ou talvez só nos permitisse sentir: a multidão, hipnótica, faz-nos descer degraus sociais, contagia-nos, infeta, leva-nos a fazer coisas que sozinhos jamais faríamos, torna-nos violentos, guardados num anonimato fuzilador - uma espécie de cobardia.
Le Bon escreveu textos determinantes sobre o tema, em particular acerca da explosão de multidão que foi a Revolução Francesa. Mas há outros, recentes, também interessantes. Recomendo, então, A Sabedoria das Multidões, de James Surowiecki, que não é tão social, é mais económico, mais comercial, de marketing, no qual podem ler-se exemplos e histórias. Recorda-se, a propósito, a de uma multidão que, numa feira de gado, acerta no peso de um boi justamente pela média das estimativas individuais de todos os elementos que a compunham.
O que se perguntaria, nesta altura, a um qualquer adepto limitado a ver o futebol fora da sua confortável multidão, em casa, quando a cada quinze dias o fazia na romaria ao estádio, é se ele será o mesmo no final de tudo isto. Se ele, ao não partilhar no estádio os aplausos e as vaias com os seus pares, acabará inevitavelmente por perder um certo conhecimento precioso que acumulara sobre as coisas que via de perto e em grupo.
No fundo, saberemos ainda, quando toda esta loucura passar por nós, acertar juntos no peso exato de um boi?