Nuno e a Seleção
Na semana em que as quatro equipas portugueses foram varridas da segunda divisão europeia por adversários de pequeno e médio porte sem que o facto tenha causado qualquer sobressalto na Imprensa internacional (porque será meus amigos?), a melhor equipa quase portuguesa de Inglaterra (Wolverhampton) voltou a deliciar os seus adeptos com uma vitória espetacular no luxuoso estádio do Tottenham (3-2). Há uns anos a Imprensa inglesa teria elevado Nuno Espírito Santo à condição de herói por ter derrotado José Mourinho ao domicílio. Mas os tempos, como se sabe, são outros, embora uma coisa não tenha mudado. Continua a haver portugueses na Albion a justificarem o epíteto special. Neste momento, Bruno Fernandes está acima de todos: coleciona MOTM (man of the match) como quem bebe água e já rivaliza com Kevin de Bruyne na discussão sobre quem é o médio mais completo da Premier. Diogo Jota também está on fire (seis golos em dez dias e uma jogada genial na génese do golo da vitória sobre Mourinho), mas se calhar é Nuno - a força tranquila - quem mais tem feito por merecer esse epíteto. No dia do jogo com Mourinho foi ele e não o famoso special que mereceu honras de entrevista / dossier em dois diários de referência o Daily Mail e o Daily Telegraph. Onde se deu a conhecer naquele jeito de quem pede desculpa por existir, sem receio de citar Kipling para admitir que não procura a fama, essa impostora; e que tem saudades do maravilhoso arquipélago de São Tomé e Príncipe, onde nasceu e se fez feliz a correr e a jogar na rua, ao pé do mar.
O homem das barbas à Rasputine é mesmo bom. Vejam bem a equipa que ele montou e com que jogadores. E vejam a enormidade que jogam os portugueses que ele levou para lá (são tantos!). Um bálsamo para os olhos de Fernando Santos em ano de Europeu. Não é só Rui São Patrício (32 anos), João Moutinho (33) e Rúben Neves (22), que esses todos conhecemos e têm lugar certo no núcleo duro do engenheiro. São os outros. É Diogo Jota (23 anos), a fazer uma época sensacional e a mostrar qualidades (velocidade, mobilidade… e golo!, já são 15) mais do que suficientes para se juntar a CR7 e Bernardo no ataque da Seleção. É Rúben Vinagre (20), uma força da natureza a dizer que há vida na lateral esquerda para além de Raphael e Mário Rui; é o velocíssimo Pedro Neto (19 anos) a dizer que Francisco Trincão não é o único putativo menino de ouro saído da academia do Braga.
O que mais impressiona nesta rapaziada é o ritmo e a intensidade que mostram ao fim de 47 jogos. E isso é mérito de Nuno, quer dizer, da maneira como ele injetou a essência da Premier no cérebro, na caixa torácica e nas pernas da sua aportuguesada alcateia. A pressão e a agressividade de Moutinho e Rúben Neves sobre os médios do Totenham. A maneira como Vinagre fez todo o corredor esquerdo: que impressionante poder atlético!, como costuma dizer (cheio de razão) o nosso Santos Neves. Até o próprio Daniel Podence, extremo veloz que Nuno entendeu capturar a Pedro Martins (Olympiacos), já parece sintonizado com o ritmo e o pulsar da Premier. Volto a dizer: Fernando Santos tem no Wolverhampton de Nuno Espírito Santo não só o maior fornecedor individual da Seleção, mas um laboratório de exceção no seio do futebol mais competitivo do Mundo. Ele que o aproveite, numa época em que algumas das nossas maiores promessas estão a ser uma verdadeira desilusão - João Félix à cabeça, mas também Rafael Leão, Gonçalo Guedes, André Silva, Gelson Martins e o próprio Renato Sanches, mais solto e confiante no Lille mas ainda e sempre muito longe daquilo que mostrou há quatro anos.