Novos tempos
Portugal deve preparar uma lei que escrutine o investidor mas estimule o investimento no futebol. Esse é o futuro
A entrada do fundo catari que detém o PSG na SAD do SC Braga tem o mérito de agitar o futebol português de uma forma talvez inesperada. Pelo player em questão, mas também por, desta vez, não ser um dos três grandes a servir de campo magnético. Só os mais distraídos, porém, podem ficar surpreendidos com o trabalho de formiguinha que António Salvador anda a fazer e a imagem de credibilidade institucional que está a construir num período em que se discute a centralização dos direitos televisivos e uma possível antecipação da entrada em vigor de uma lei que, em última instância, será aplicada no início da época 2028/2029.
Em julho último o presidente do clube minhoto marcou a agenda com a apresentação, aos jornalistas, de um plano para modernizar o futebol português, a ponto de merecer o elogio público do secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Correia, o mesmo que se congratulou com entrada da Qatar Sports Investment (QSI) no Minho, considerando tratar-se de um «investimento que demonstra a atratividade do futebol nacional».
A questão que se coloca agora relativamente ao futuro da SAD bracarense é saber até onde estenderá o poder da QSI. Porque não será um agente passivo, seguramente. Comprou 21,77 por cento de uma SAD que tem uma sociedade de investimentos com sede em Londres detentora de 17,04% e 24,31% estão dispersos por outros acionistas. Em última análise, a QSI poderia ficar com a maioria do capital numa OPA, a exemplo do que o norte-americano John Textor tentou fazer na SAD do Benfica (sem sucesso). Mesmo que Salvador afirme que o controlo da gestão está assegurado, ninguém duvidará que Nasser Al-Khelaifi, dono e senhor daquele que é provavelmente o clube mais rico do mundo, ficará satisfeito em ter uma posição minoritária de um clube pujante do sexto melhor campeonato da Europa...
Mais cedo ou mais tarde, é isto que vai suceder, hoje com o SC Braga, amanhã com outro clube de média (ou grande) dimensão: para serem competitivos a nível internacional, os clubes portugueses não têm outra hipótese que não passe pela entrada de investimento privado. O grande desafio será o de explicar aos adeptos aquilo que muitos não gostam (e nem querem) ouvir: que os sócios deixam de ser donos dos clubes. São poucos os dirigentes, pelo menos dos três grandes, capazes de o assumir publicamente, porque ainda estão muito arreigados à tradição e à força social desses emblemas, a mesma que proporcionou o crescimento dessas instituições no século XX e que foi a mola impulsionadora e a cola que junta gente de estratos, geografias, religião ou culturas diferentes em torno de um ideal.
Mas à medida que o futebol dos milhões for empurrando os grandes clubes nacionais para a margem - e não nos deixemos enganar com bons desempenhos de FC Porto ou Benfica na fase de grupos da Champions, porque isso acontece à custa de endividamento que tem custos no futuro - e caso um SC Braga (ou outro qualquer clube da classe média-alta) tiver sucesso graças a investidores, depressa mudará o discurso. Aqueles que prepararem já hoje o terreno têm mais hipóteses de colher frutos no futuro. Para os românticos este não é o futebol desejável. É, para muitos, renegar as suas origens. Mas são poucos os clubes que, no século XXI, conseguem manter o estatuto de gigantes com base nos modelos de gestão do século XX. Há o caso excecional do Real Madrid e havia o Barcelona - havia, porque os catalães entraram em pré-falência e continuam a insistir na criação de uma Superliga; recordemos a diferença entre o Barcelona que se recusava a ter publicidade nas camisolas (Unicef era a exceção) ao Barça que só não vende a Sagrada Família porque não pode.
No que respeita a Portugal, será fundamental preparar uma lei que, à imagem do que acontece em Inglaterra, proteja as SAD. Que exerça um forte escrutínio de modo a afastar aventureiros e estimular o investimento sério e multiplicador. Tudo menos cruzar os braços e protestando com os ventos da modernidade. Perguntem aos adeptos de qualquer um dos grandes ou médios clubes ingleses se não estão melhor agora...