Nova época, velhos hábitos
1 - Como todas as pessoas civilizadas, que imagino ser, nunca seleccionei os amigos pelas suas preferências clubísticas. Tenho assim vários amigos benfiquistas e, entre eles, alguns na administração da SAD ou na direcção do Benfica, dos quais o mais antigo é o Domingos Almeida Lima, responsável pelas Casas do Benfica e meu colega de escola - e também o primeiro leitor que conheci de A BOLA, que me emprestava depois de a ler religiosamente, e muito antes de algum de nós poder imaginar que eu viria a ser colaborador deste jornal, já lá vai mais de um quarto de século (!). São amigos que eu considero e prezo e não tenho uma dúvida de que, mais ou menos incomodados, passariam muito bem sem o rol de suspeitas graves que na última época se abateram sobre a conduta desportiva e extra-desportiva do Benfica. Nunca desprezando a presunção de inocência - de que todos devem gozar, mesmo aqueles que a não aplicam aos outros - os indícios recolhidos pela justiça comum contra o Benfica são de tal maneira graves por si só que países há em que a passividade da justiça desportiva em relação a eles (e que não existiu no Apito Dourado, relativamente a FC Porto e Boavista) fariam com que dificilmente o Benfica pudesse iniciar esta época da Liga como se nada fosse.
Sendo este o contexto indesmentível e indisfarçável, mandaria a simples prudência e decoro que o Benfica iniciasse a época com um mínimo de humildade e contenção. Até porque também está bem presente a indecorosa campanha de suspeitas de corrupção lançadas a partir da Luz sobre vários jogadores de adversários que enfrentaram o FC Porto nos últimos jogos do campeonato passado, quando o desespero por ver fugir o tão ansiado penta decretou que valia tudo. Suspeitas que, ainda por cima, se viraram contra o autor, quando a SIC emitiu reportagens com jogadores do Marítimo (a coberto do anonimato, é certo) dizendo que tinham sido aliciados pelo Benfica para facilitarem derrotas e quando a PGR revelou a existência de um saco azul alimentado por cheques da Benfica SAD e da Benfica Estádio para ser convertido em dinheiro vivo... cujo destino permanece por apurar. E quando ainda não se tinha desvanecido a lembrança de nenhum responsável do Benfica aceitar de bons modos a derrota no campeonato, começando pelo seu treinador, que se recusou, quando instado, a felicitar o vencedor. Ou quando, ainda há poucas semanas, o presidente do Benfica (a quem, a propósito, desejo sinceras melhoras de saúde) reafirmava que o Benfica queria ganhar, mas com jogo limpo e desportivismo.
Mas eis que, à revelia de tudo isso, decorrida apenas uma jornada do campeonato, o Benfica resolve marcar o tom da nova época. E o tom é o mesmo de sempre: guerra, hostilidades, suspeições, queixas e queixinhas. Coube a honra a um vice-presidente, Varandas Fernandes, cuja existência eu desconhecia. O senhor, falando em nome do clube, exigiu a suspensão do treinador portista e do jogador Brahimi - este por vários jogos, de preferência de modo a coincidir com o Benfica-Porto, a disputar em breve. Começa bem o Benfica! Começa a nova época tal qual acabou a anterior.
2 - Se o campeonato, chamado Liga NOS, é organizado pela Liga e se o órgão disciplinar da Liga já se pronunciou sobre as queixinhas do Benfica, arquivando-as, a que título é que o órgão disciplinar da Federação, que não tutela o campeonato, resolve aceitá-las? Como podem existir duas jurisdições sobre o mesmo caso, para mais sendo uma delas incompetente na matéria?
3 - Outro velho hábito que parece ter transitado da época passada é a história dos penalties e do VAR. No campeonato passado, Benfica e Sporting beneficiaram cada um de uma dúzia de penalties a favor, alguns mais que duvidosos e alguns com a ajuda decisiva do VAR. O FC Porto também teve doze penalties a favor - a diferença é que, desses, só três foram assinalados. Os outros todos escaparam misteriosamente, quer aos árbitros, que aos VAR. E, assim, a equipa com mais golos marcados no campeonato esteve entre as três com menos penalties assinalados a favor. Um mistério...
Vamos agora em duas jornadas. Na primeira, o Benfica beneficiou de um penalty, decisivo para a vitória tangencial sobre o Guimarães. Eu não vi o jogo, pelo que aceito a opinião da crítica, concordando com a decisão do árbitro. Adiante. Vi o Moreirense-Sporting e, aí sim, vi um penalty mais do que duvidoso permitir ao Sporting levar de vencido um jogo onde estava a ser claramente dominado. Mas claro, claríssimo, foi um penalty a favor do Porto, que nem o árbitro nem o VAR viram - mas como ganhámos por 5-0... Veio a segunda jornada e nem Benfica nem Sporting tiveram penalties a favor, mas em Alvalade, no último minuto, aconteceu um penalty, óbvio... mas contra o Sporting. Podia ser o empate para o Setúbal, porém nem o árbitro nem o VAR se atreveram sequer a promover um visionamentozinho. Eu sei que os problemas que o Sporting tem atravessado convocam todos à compreensão e à misericórdia, e o meu amigo Cintra que me perdoe, mas, em duas jornadas, entre penalties, árbitros complacentes e VAR distraídos, já lá vão quatro possíveis pontinhos arrecadados. Registo isto só para memória futura, que é coisa que os sportinguistas têm muito selectiva. Já o FC Porto começou por ver o Belenenses regressar ao jogo através de um penalty criado pelo VAR João Capela, quase dois minutos depois do lance, mas acabou compensado no último minuto por um quase igual. Em minha opinião, nenhum deles era penalty mas, pelo menos, não se falseou o resultado.
4 - A maldição dos jogos do Porto contra o Belenenses, em Lisboa, quebrou-se graças à troca do Restelo pelo Jamor. Toda esta história é incompreensível, para não dizer escandalosa. Ter um estádio como o do Restelo às moscas é um escândalo. Pior ainda se, como desconfio, o objectivo final é demolir o estádio cedido pela Câmara de Lisboa ao Belenenses, com o único fim desportivo, para ali construir uma urbanização. Já vi muita coisa destas acontecer, mas esta seria demais.
5 - Não sei o que pensar do meu FC Porto. Lá ganhámos ao Aves mais uma Supertaça, mas num jogo em que não mostrámos futebol algum digno desse nome. Depois, fizemos uma exibição de gala contra o Chaves e logo a seguir um jogo para esquecer contra o Belenenses, onde só o resultado se safou. Os primeiros vinte minutos foram de susto, as deficiências individuais foram gritantes, o plantel mostrou todas as suas insuficiências. Perdemos Ricardo e Dalot e fomos ao mercado por dois laterais-direitos, mas afinal renovámos com Maxi, que é o titular, aos 35 anos. Ora, é incontestável a entrega ao jogo de Maxi, mas também é incontestável a sua insuficiência técnica, o seu déficite de estatura (responsável pelo segundo golo do Belenenses: Mourinho tem razão em querer laterais altos), mas, sobretudo, é incontestável a sua falta de velocidade e de andamento para jogos de outra exigência - como rapidamente se verá. Também nos deu uma febre de compra de centrais, mas o titular é o jovem Diogo Leite - que, aliás, tem provado bem. Mas não seria melhor, então, ter gasto o pouco dinheiro que temos a preencher as lacunas evidentes: dois médios criativos, um extremo, outro ponta-de-lança e um substituto para o actual MVP, Alex Teles? Danilo nunca mais volta, Mikel não é aposta de Sérgio Conceição, Herrera tem dias, Sérgio Oliveira tem momentos e não mais do que isso. Óliver nem dias nem momentos. André Pereira é mais uma, e bem intencionada, tentativa recente de inventar um avançado português de valor - depois de André Silva, Rui Pedro, Gonçalo Paciência. Infelizmente, não creio que venha a ter mais sucesso e Corona é bem melhor jogador. Soares lesionou-se aos 5 minutos da nova época e Aboubakar, apesar dos dois golos ao Chaves, está uma sombra do que já valeu, e nem mesmo o génio de Sérgio Conceição acredito que consiga fazer de Adrian López uma ameaça às balizas adversárias. E Brahimi, ficará?
6 - Resta Marega. O caso Marega. Estou mais com o treinador do que com o presidente, embora compreenda também a posição de quem tem de defender o património da SAD. Mas quem se porta como ele não tem lugar na equipa nem no clube. Marega era um cavalo de corridas e Sérgio Conceição fez dele um jogador de futebol. Era um excedentário de equipa do meio da tabela e o FC Porto pô-lo no mapa e fez dele um campeão. E o menino acha que pode fazer greve para rasgar quando quer um contrato assinado de livre vontade? Pois que fique a treinar à parte até ao fim do contrato. Ele, o empresário, o irmão, o cunhado e toda aquela troupe que festejava o título no Dragão, ainda há uns meses, agarrados à bandeira do clube. Há adeptos que não se importam de ganhar seja como for e com quem for. Eu, não: eu estou farto de mercenários.