Notas balneares

OPINIÃO05.07.202206:30

Talvez se aconselhe algum pragmatismo. O jogador parece arrependido e, até ver, o plantel precisa deste Grimaldo

24 MIL DE AVANÇO

S E perguntarem a cada um dos quase 24 mil adeptos que ontem estiveram nas bancadas da Luz o que pretendem do Benfica na próxima época, talvez obtenhamos alguns milhares de respostas que nesta fase oscilarão entre nomes de reforços e os mais ambiciosos objetivos desportivos. Se me perguntarem o que desejo do Benfica na próxima época, também poderia responder com uma longa lista de aspirações ou exigências que aqui tenho partilhado semanalmente, mas apetece-me pedir apenas que o Benfica seja uma representação fiel a esta moldura humana. Que 24 mil pessoas se tenham mostrado disponíveis para ir à Luz assistir a um simples treino diz muito do avanço com que o Benfica inicia todas as épocas desportivas. Para referência, vale a pena dizer que a assistência média do Sporting na última liga foi de pouco mais de 25 mil adeptos. Essa vantagem nunca mudará, desde que quem lidera o clube saiba renovar o entusiasmo e a esperança dos adeptos, e parece ser esse o caso, como há alguns anos não acontecia. Que essa energia sirva para reafirmar o Benfica no lugar desportivo e institucional que deve ser o seu.


GUARDEMOS OS ASSOBIOS PARA OUTROS 

N ÃO há bela sem senão. Por muito que estes 24 mil adeptos estejam no seu pleno direito de aplaudir ou criticar os jogadores que ontem participaram no treino, os assobios ao Grimaldo parecem-me absolutamente desnecessários. Ninguém duvida que os atletas devem respeito ao emblema e aos adeptos, mas fazer de Grimaldo um exemplo desta forma revela que alguns benfiquistas acreditam em bullying como uma tática psicológica eficaz ou que querem simplesmente escorraçar o espanhol do clube. Se não for isso, terei de concluir que esses benfiquistas estão estranhamente confiantes quanto aos laterais disponíveis no atual plantel. Talvez se aconselhe algum pragmatismo. O jogador parece arrependido e, até ver, o plantel precisa deste Grimaldo. Por muito que não tenha cumprido toda a promessa ao longo destes anos, Grimaldo tem sido um dos atletas mais consistentes e competitivos do Benfica nos últimos anos. Sabe o que é vencer pelo clube. Já mostrou por inúmeras vezes a mentalidade de que o clube precisa. Serei a última pessoa a defender complacência ou excessiva simpatia na gestão dos jogadores, e amuos como o de Grimaldo são inaceitáveis, mas não vejo aqui o fim do caminho. Vejo alguém que terá de correr o dobro para se reconciliar com os adeptos, e que tem condições para isso. Guardemos os assobios para muita gente bem mais merecedora.


NERVOSISMO NO AR

L IGO a TV como quem compra uma edição de um desportivo em férias. Que nunca ninguém nos tire estes momentos. Há uns dias passei meia hora a ouvir as opiniões de outros adeptos, algures entre a análise do defeso e a proverbial reflexão facciosa sobre o momento do respetivo clube. À medida que vou celebrando aniversários, percebo que a minha dieta de conteúdo não permite muito mais. São pequenos prazeres, mas não convém abusar. O fígado logo acusa o bate-boca prolongado sobre as arbitragens e o cérebro suplica por honestidade intelectual. Se não tenho cuidado rapidamente darei por mim a precisar de repouso. Esta semana vi comentadores indignados com a capacidade financeira do Benfica, como se fosse proibido ter mais dinheiro do que os adversários para contratar jogadores. Curiosamente estes são os mesmos adeptos que provavelmente não pestanejaram quando viram o seu clube contratar Giannelli Imbula, e poucos jogos depois, vendê-lo com um lucro milionário num daqueles milagres da engenharia financeira que os clubes de futebol (incluindo o meu) adoram utilizar para enganar os adeptos e os contabilistas. Seja como for nota-se um certo nervosismo no ar. Costuma ser bom sinal.


NOTÍCIAS DO PRIMEIRO MUNDO

P ARECE que os senhores da liga italiana não precisaram de muito tempo nem de muitas averiguações para punir os jogadores do Milan. São apenas 4 a 5 mil euros de multa para cada atleta, mas ainda assim saúdo a decisão, que em Portugal tarda ou nunca chegará. Por cá tudo bem. Prosseguimos com a normalização destes comportamentos, que aliás duram há anos sem que as entidades competentes compreendam uma coisa muito simples: o nível de selvajaria frequentemente encontrado nos adeptos decorre, muitas vezes, de quem lidera pelo exemplo. E o exemplo dado pelos jogadores do Futebol Clube do Porto - Diogo Costa, Fábio Cardoso, Manafá e Otávio - é o pior possível. Que o processo disciplinar instaurado surja apenas na sequência de uma queixa formalizada pelo Benfica é, desde logo, sintomático da indiferença ou conivência que existe em Portugal para com estes comportamentos. Não foi a primeira nem será a última ocasião em que atletas do Futebol Clube do Porto celebram conquistas desportivas com injúrias e uma hostilidade inaceitável.
Mas, já se sabe: se amanhã alguém disser que muitas pessoas dentro deste clube, e alguns dos seus adeptos, patrocinam direta ou indiretamente uma cultura de ódio no futebol português, que germina ano após ano e resulta em manifestações de violência física e verbal nos mais diversos recintos desportivos ou fora dele, como aliás se viu ao longo desta época em diferentes modalidades, já se sabe, depressa surgirão as reações de indignação por parte dos protagonistas do costume, e uns quantos patetas que dirão que faz tudo parte. Mas os episódios repetem-se e a realidade impõe-se. Liderar pelo exemplo é outra coisa completamente diferente: que o Benfica seja célere a banir qualquer comportamento similar, seja em que circunstância for.