Nós não estamos realmente aqui

OPINIÃO27.06.202004:00

Gosto desta ideia, nós não estamos realmente aqui, pelos dois sentidos. Bom, se vista pela liberdade do pensamento; mau, se pela incapacidade para o momento. É frase do futebol, também, canta-se no Manchester City. Escrevem-na em tecidos: We’re not really here. Tem, aqui, um sentido que nunca compreendi. O que pretenderá transmitir aos jogadores do City esta ausência? Apoiar não estando.  Agora, sem público nas bancadas, a frase, orgulhosa, à largura da central, parece-me ter ganhado aceção mais compreensível. Ficou tão literal que se percebe, enfim! Mas não deixa de encerrar um mistério. Na Luz, o Benfica afixa um  pano com a ideia oposta: «Estamos cá.»

A frase do City parece nada ter a ver com futebol, e não tem. Um livro recente, de um adepto do clube ligado à origem do cântico, Don Price, começa por desmentir mitos: nada tem a ver com uma punição aos adeptos numa deslocação a Luton, nos anos 80, quando, impedidos de entrar no estádio, cantaram no exterior; ou com as alusões dos media aos poucos adeptos dos citizens.  Garante o autor que a canção nasceu há mais de 20 anos, quando amigos de Prestwich, um subúrbio de Manchester, viajavam para Amesterdão e souberam da morte de um outro que, tendo ficado em casa, sozinho, invisível, se suicidara. Voltaram imediatamente para o bairro e um deles, afogando mágoas no pub lá da rua, entoou: «Just like the fans of the Invisible Man, we’re not really here [tal como os adeptos do Homem Invisível, nós não estamos realmente aqui].» Nem o autor da canção (um tal de Phil) nem o suicida eram adeptos do City. É, então, um cântico sem relação com aquele clube, cidade, sequer o futebol.  E aí anda ela, a frase, cobrindo bancadas de festa, de apoio, porém obscura, lamentando um suicídio. Nada que, como sabemos, possa compreender-se com facilidade.