No Porto sê portista

OPINIÃO06.03.201903:03

LIGA DOS CAMPEÕES. De novo o futebol de elite, nada a ver com aquilo que vamos consumindo por cá. Sérgio Conceição também deve ter essa noção, uma vez que representou grandes clubes italianos (a Lazio de Eriksson e o Inter de Hector Cúper) e viveu fora do país tempo suficiente para saber qual é o palco onde se ganha o verdadeiro prestígio e respeito internacional. Assim, por muito que tenha doído ao Porto a derrota no campeonato (e doeu, já que provavelmente foi decisiva…) com um Benfica muito forte, corajoso e determinado, não é tempo para choraminguices e lamentos; antes de respirar fundo, encher o peito e avançar para cima da Roma de olhos postos na qualificação para os quartos de final da Champions e no consequente jackpot de (mais uns) larguíssimos milhões.

Em jogo não somente mais uma presença portista nos últimos oito - também chamado lago dos tubarões -, mas o reforço da (periclitante) posição futebol português no contexto europeu, que o Benfica amanhã em Zagreb também pode melhorar. Em Roma sê romano, diz a velha máxima. No Porto sê portista, isto é: do FCP espera-se mais logo que seja fiel à sua aura europeia, àquilo que fez dele nas últimas décadas a bandeira de Portugal na competição mais emblemática do continente - a Champions. Uma equipa de grande caráter e combatividade, orgulhosa, difícil de bater e capaz de lutar furiosamente até ao apito final. Por falar nisso, o melhor do Porto europeu veio à tona em Roma quando o miúdo Zaniolo fez o segundo golo dos italianos (2-0), praticamente sentenciando a eliminatória. A raça e o inconformismo que levaram aquele FCP cansado e aparentemente nas cordas a ir para cima da Roma naqueles 15 minutos finais à procura do golo redentor (e depois até do empate…) foi qualquer coisa especial, só ao alcance de uma equipa com verdadeiro estofo internacional; capaz de gelar um estádio em ebulição e reduzir a efusiva claque romana a uma inquietação nervosa. E o Olímpico que havia explodido com os golos de Zaniolo e os tiros de Dzeko terminou em silêncio, fazendo contas para o Dragão. Um golo e…

Sim, um golo basta aos campeões nacionais. Mas é preciso que não sofram nenhum e a Roma tem jogadores mais que habilitados para marcarem no Dragão - sendo Edin Dzeko o mais perigoso e o que requer mais cuidados de marcação (deram-lhe demasiada liberdade no Olímpico e só não marcou por acaso). Lembro que um golo da Roma obriga o FCP a marcar três. É verdade que a defesa da Roma é permeável ao ponto de nem parecer italiana - foi baleada (0-3) pela Lazio no dérbi romano e leva 52 golos sofridos em 35 jogos (!!!) - e que o contestado treinador Eusebio Di Francesco, segundo a Imprensa italiana, só salva o pescoço se eliminar o Porto. Digamos que a Roma vem jogar um tudo ou nada. É claro que os adeptos portistas esperam o melhor onze de início, o que não aconteceu no clássico, como também esperam que os jogadores mais decisivos (Brahimi, Marega, Danilo, Alex Teles, Casillas, Pepe, Soares…) não faltem à chamada. Assim seja.

Depressa e bem: um grande Benfica

FANTÁSTICO o espírito de conquista e a contundência do Benfica de Lage (creio que já lhe podemos chamar assim) no Dragão. Vitória memorável, merecida e com laivos de épica, tão grande o caráter demonstrado naquele estádio onde os benfiquistas costumam sofrer horrores; esteve a perder, deu a volta à situação com muita pinta e aguentou o aperto final com estoicismo, determinação e espírito marcial - um por todos… O que mais me impressiona no novo Benfica, além da melhoria evidente na organização (jogadores sempre muito juntos, em bloco, recuando e avançado como um harmónio), é a simplicidade mortífera das combinações ofensivas, a velocidade a que são efetuadas e a mobilidade dos seus intérpretes. O meio campo do Benfica não perde tempo a mastigar a bola nem se enreda naquelas trocas soporíferas para trás e para os lados (o Porto usou e abusou disso). A bola anda depressa nos pés dos médios benfiquistas, que a fazem girar ao primeiro toque - tac, tac, tac, tac, de um lado para o outro -, quase sempre em progressão de modo a fazerem-na chegar o mais depressa possível aos jogadores mais adiantados que, por sua vez, sabem muito bem o que fazer com ela. A qualidade técnica encarrega-se do resto. Este Benfica é uma equipa de futebol urgente, permanentemente ameaçadora. O Porto sentiu isso desde o inicio e nunca soube lidar com essa inquietação. A simplicidade, velocidade e perigosidade do jogo benfiquista lembra o futebol eletrizante da primeira época de Jorge Jesus e, muito mais atrás, o rolo compressor do sueco Eriksson. Muito bem devem estar a trabalhar - já se percebeu que Lage é um obcecado do treino - para terem crescido tanto e tão vincadamente num tão curto espaço de tempo. Basta lembrar a meia-final da Taça da Liga (3-1 para o FCP, a 22 janeiro passado) para perceber qual dos dois deu o grande salto em frente…

Quando era um jovem jornalista em inicio de carreira vi muitos jogos ao lado do Aurélio Márcio, um dos jornalistas históricos desta casa, com quem gostava de conversar. Ele já tinha visto ziliões de jogos e tinha uma perceção muito aguda das qualidades e defeitos das nossas equipas. O Aurélio insistia muito (sublinhava-o nas crónicas) na importância da velocidade - de meter velocidade naquele futebol tão tecnicista, tão adornado e muitas vezes tão falho de perigosidade/contundência como o nosso. Creio que algures lá em cima estará a sorrir com o futebol que o Benfica anda a jogar: depressa e bem. Não sei que onze irá a jogo amanhã em Zagreb para a Liga Europa, mas sinto que os meus amigos benfiquistas, de há dois meses para cá, esperam ansiosamente pelo próximo jogo, seja qual for o adversário. Há lá melhor sinal que esse.