No entretém
1Depois de uma apresentação sem um único reforço presente - coisa sem precedentes de memória de portista - ontem foi dia de finalmente se começarem a concretizar alguns negócios anunciados: o avançado cabo-verdiano Zé Luís, por 9,5 milhões a pagar em três anos, e o extremo colombiano Luis Díaz, por 7,5 milhões e 60% do passe, a pronto. Ambos intensa e publicamente cobiçados pelo presidente e pelo treinador, o que constitui uma novidade para um clube que nos habituou a negociar em absoluto segredo, só desvendado quando a contratação estava consumada. É assim que sabemos também que continuará a perseguição a Nakajima - que depois de tanto tempo aqui à vista, em Portugal, e quando já se sabia que Brahimi sairia a custo zero, nunca foi atacado a sério, só o sendo depois de um clube do Qatar ter pago 35 milhões por ele. E agora, seis meses depois, espera-se que o emprestem ou o vendam em saldo...
Já Bruma foi um falhanço e uma humilhação escusada, mas, em minha opinião, bem-vinda. Homens como ele e o seu empresário não têm lugar no FC Porto, ou não devem tê-lo. Um jogador que já se conhecia pela sua falta de seriedade contratual, pelo seu desprezo pela grandeza de clubes como o FC Porto e o Sporting, pela sua falta de palavra e pelo seu amor ao dinheiro acima de tudo, é gente que pode ser muito boa no campo mas que não se quer no balneário. O erro não foi falhar a contratação, foi tê-la iniciado. Ao contrário, lamento outra vez a saída de Hernâni para o modestíssimo Levante: aqui está um jogador que não parece fadado para ser feliz nem para ver-lhe reconhecido o valor que tem. Mas, tal como eu, todos os treinadores têm as suas embirrações particulares e, infelizmente, poucas vezes as deles coincidem com as minhas.
2Muito se tem discutido entre os portistas, e com razão, quem foi a ou as luminárias que deixaram sair João Félix do FC Porto para o Benfica, aos 15 anos de idade, quando o seu talento já era bem visível. É uma pergunta pertinente, que também já aqui aflorei, mas cuja resposta concludente duvido que alguma vez tenhamos. Aquela casa não é muito dada ao reconhecimento público de culpas e responsabilidades. Alguém, por exemplo, já se desculpou pelo desvario de gestão de anos a fio que acabou por nos colocar sob a alçada do fair-play financeiro da UEFA? Se aquela SAD fosse uma verdadeira Sociedade Anónima, que contas teriam de dar disso aos accionistas?
3No Expresso, Bruno de Carvalho queixou-se amargamente de que ninguém lhe dava trabalho com medo de ser perseguido pelo sistema do Sporting. É, obviamente, uma razão em que até os seus devotos terão dificuldade em acreditar. Ninguém lhe dá trabalho porque ninguém lhe conhece um curriculum recomendável antes do Sporting e, no Sporting, o que mais se retém dele é a imagem de alguém obcecado em falar e escrever obsessivamente sobre si mesmo, num narcisismo doentio que o levou a creditar ter o mundo aos pés por exce- pcionais dotes, quando afinal se limitou a aproveitar a onda populista que atravessa os tempos presentes em vários domínios e que é particularmente profícua entre a massa acrítica dos adeptos de futebol. Na verdade, a história da ascensão e queda de Bruno de Carvalho até dava um romance. Mas um romance completamente previsível, do princípio até ao fim.
4Vítor Serpa escreveu aqui há dias que Ana Gomes, uma espécie de outra advogada de Rui Pinto, deveria estar arrependida de o ter defendido, face às novas revelações saídas a lume sobre os crimes que o nosso hacker terá cometido. Ora, eu, que também tenho feito papel semelhante (inclusive nestas páginas), quero enfiar esta carapuça com muito gosto.
Suponho, para começar, que Vítor Serpa se estivesse a referir ao último número da revista Sábado, cuja capa e história principal da edição relatavam que o Ministério Público (MP) suspeita que Rui Pinto terá entrado nos computadores da ex-Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, do ex-director do DCIAP, procurador Amadeu Guerra, e da Procuradora Maria José Morgado, assim elevando para um patamar superior ao do futebol e atingindo as mais altas instâncias da investigação criminal em Portugal, as actividades intrusivas de Rui Pinto. Deste modo, acrescenta a revista, o pirata informático teria tido acesso aos mais reservados segredos sobre o trabalho investigatório da justiça criminal, o que lhe permitiria causar danos de dimensão inimaginável. E com base nesta suspeita e a fim de melhor a investigar, o MP iria pedir ao juiz de instrução a declaração da «especial complexidade do processo» - o que, a ser deferido, lhe permitirá prolongar a investigação por seis meses, mantendo o arguido em prisão preventiva (procedimento este que, de tão habitual, já se tornou banal). Eis, em síntese, a história da Sábado. E eis o que presumo terá justificado o que o Vítor Serpa escreveu.
Ora, meu caro Vítor, não há aqui qualquer coisa que lhe faça soar uma campainha de advertência, para um jornalista com largos anos de experiência? Vejamos.
Em primeiro lugar, o método. O habitual: fuga de informação, com violação do segredo de justiça. E quem terá violado um segredo de justiça que consiste em dizer aquilo que o MP se prepara para fazer com base naquilo de que desconfia? Em segundo lugar, o mensageiro. Também o habitual: um dos títulos do grupo Cofina, especialistas em violações descaradas do segredo de justiça dos casos mediáticos, em estreita colaboração com as entidades investigatórias. Em terceiro lugar, o objectivo: passar uma suspeita, uma suposição, real ou imaginária, verdadeira ou inventada, para notícia, que, uma vez divulgada, se transforma num facto perante a opinião pública - de tal modo que até o Vítor Serpa o engoliu sem pestanejar e sem encontrar qualquer prova com que se engasgar. Em quarto lugar, a pretensão última e não disfarçada: prolongar em seis meses a prisão preventiva de Rui Pinto. E é aqui, caríssimo Vítor que se deve colocar a grande pergunta, a pergunta que interessa: porque razão é que, enquanto que as autoridades investigatórias da Alemanha, da Holanda, da França, aproveitaram os serviços de Rui Pinto, classificando-o como um precioso auxiliar da justiça, as nossas só se preocuparam em enfiá-lo na prisão e só se preocupam em mantê-lo lá, bem trancado e bem calado? Fiz esta pergunta na TVI ao advogado de Rui Pinto e ele respondeu-me: «porque ele sabe muitos segredos comprometedores sobre muita gente poderosa neste país». Já sabíamos que isto ia muito para além de Portugal, no que ao futebol diz respeito. Agora sabemos que, no que diz respeito a Portugal, isto vai muito para além do futebol. E seria bom, portanto, que os observadores se concentrassem no essencial e não no supérfluo, e que procurassem ver para além das aparências e do fumo soprado para os olhos. E, obviamente também, para além do nevoeiro clubista - que eu sei que o Vítor Serpa não tem. Mas para quem ache que eu tenho, deixem-me dizer uma coisa: é claro que eu gostaria que fossem investigadas, como deviam, as coisas que Rui Pinto trouxe a lume sobre o Benfica e que foi por onde tudo isto começou. Mas também li que Rui Pinto sabe coisas sobre o FC Porto que serão bastante comprometedoras para quem lá manda e que eu gostaria igualmente que viessem a lume e que, sendo caso disso, fossem igualmente investigadas.