Níveis de canalhice...

OPINIÃO13.03.202106:00

Há treinadores de nível IV que não têm nível nenhum e há treinadores de nível II que têm elevado nível. Há homens com nível e sem nível

F AZ hoje duas semanas que completei 58 anos de associado do Sporting Clube de Portugal e esperava uma vitória no Dragão para o dia ser totalmente feliz. Não correu tudo como desejava, mas também não foi nada que me tirasse o sono. Pior foi a noite de sexta-feira, depois do sofrimento do Santa Clara, e no momento em que celebrava a renovação do contrato de Rúben Amorim, como dei conta na minha crónica do dia seguinte. É curioso que, antes de adormecer, senti que aquele momento de alegria que o Coates me proporcionara havia provocado no estômago de muitos alguma azia depois de já pensarem que o Sporting havia sofrido dois empates seguidos, isto é, perdido quatro pontos. Azia essa que acrescia à azia anterior da renovação de Rúben Amorim. Azia e inveja. E se a primeira tem por remédio o Alka-Seltzer, a segunda tem a ver com mediocridade cultural e falta de carácter e, portanto, não desaparece de um dia para o outro!
Assim pensando, foi assim que adormeci, para um longo sono até meio da manhã de sábado, e com um sonho meio divertido, que não posso deixar de contar, na esperança de que algum psiquiatra ou psicólogo interprete este meu sonho.
Sonhei que tinha entrado num restaurante (o Covid não fez parte do sonho) e sentei-me numa mesa pequena ao lado de uma mesa redonda, onde estavam sentados três indivíduos, qual Ceia dos Cardeais, embora a mesa estivesse posta para quatro, tal como os Três Mosqueteiros, esperando o D’Artagnan. Um deles, mal vestido e algo grosseiro, desde logo me apercebi, porque falava de alto, que era um simples larápio, vulgo carteirista no metropolitano ou de produtos num supermercado. Com um ar gozão e divertido vangloriava-se de algo que furtara no supermercado e metera na carteira de uma senhora, que roubou mal ela saiu do supermercado! Outro, com uma apresentação um pouco superior gabou-se de uma burla e de um abuso de confiança, cujos contornos não me apercebi bem, pois estava de costas para mim. O mais bem vestido deles todos - bem vestido mesmo - e com modos mais bem finos, apercebi-me que a sua especialidade era a corrupção, ainda que não tenha percebido se era activa ou passiva, ou as duas, e muito menos em que ramo de actividade a exercia. Quando atrás me referi à Ceia dos Cardeais, a célebre peça de teatro da autoria de Júlio Dantas, foi porque no sonho relacionei a conversa dos três com os cardeais, embora a conversa fosse bem diferente: enquanto o Cardeal Gonzaga de Castro (português), o Cardeal Rufo (espanhol) e o Cardeal Montmorency (francês) contavam os seus amores do passado, aqueles três contavam as suas façanhas no mundo do crime. Como devem saber, na peça os cardeais espanhol e francês concluíram que, afinal, dos três, o português tinha sido o único que tinha amado; ali, na mesa ao meu lado, fiquei sem saber qual era o verdadeiro canalha. De resto, rapidamente constatei que aquilo era apenas uma conversa de ocasião, enquanto tomavam uma bebida e esperavam pelo quarto indivíduo, que, pelos vistos se atrasara, como viria a ser notado quando finalmente chegou.
Na verdade, apercebi-me que eles eram representantes de vários sectores da vigarice e estavam ali para, em linhas gerais, definir os termos de uma associação a constituir para defesa dos seus interesses, qual direito constitucional que entenderam não dever abdicar! E a discussão começou pela denominação da associação, ficando logo entendido que o quarto elemento se enquadraria nos ofícios correlativos que se seguiria ao nome a escolher.
O carteirista imediatamente sugeriu que a associação se chamasse associação nacional dos larápios, a que logo se opuseram os outros dois, pois larápio é uma expressão algo depreciativa de gatuno ou ladrão e a associação teria de ter um nome mais impactante para atrair a corja nacional! Convidado a pronunciar-se disse o burlão: talvez associação da canalha portuguesa. O corrupto, culturalmente mais evoluído, retorquiu que canalha também significa conjunto de crianças pequenas, e poderia parecer tratar-se de uma agremiação infantil, o que não era o caso. Assim, o larápio e o burlão ficaram à espera que o corrupto fizesse a sua sugestão, que surgiu de seguida, mostrando que já tinha a sua ideia definida: a nossa associação tem por objecto o estudo e desenvolvimento de novas formas de canalhice, para além da defesa intransigente dos interesses dos canalhas portugueses nas suas relações com as instituições internas e com os canalhas espanhóis (canallas), franceses (canailles), ingleses (scoundrels) e italianos (mascalzoni). Somos pessoas consideradas desprezíveis e de mau carácter, verdadeiros patifes, e não uma corja ou uma súcia qualquer. Somos autênticos canalhas e disso nos devemos orgulhar e exibir na denominação - Associação Nacional de Canalhas e Ofícios Correlativos! E foi nesta altura que se juntou à mesa o quarto elemento, com um ar bimbo e em representação de uma classe que não me apercebi qual era!
Na verdade, depois de lhe ter sido notado o atraso, que justificou com uma canalhice que tinha estado a preparar para tramar alguém, o representante dos corruptos fez-lhe saber que não fazia sentido enquadrar a sua associação na associação a criar, e mesmo os seus associados apenas poderiam ser abrangidos pela expressão ofícios correlativos, uma vez que atitudes de mesquinhez e inveja se não enquadravam em comportamentos canalhas.
Contudo, alguém lembrou que se deveriam estabelecer diversos níveis de canalhice, como acontece com as infracções, a saber: canalhices muito graves, graves e leves. Foi então que o quarto elemento sentiu a insustentável leveza da sua canalhice e o despertador tocou para me acordar!...
 

 


... E BAIXO NÍVEL!

B EM prejuízo de pensar que é nulo o contrato colectivo de trabalho celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional de Treinadores de Futebol, o artigo 1.º do anexo II daquele contrato diz que os clubes da primeira Liga devem (e sublinho o devem) ter ao seu serviço um quadro técnico composto pelo menos pelos seguintes elementos: um treinador principal, com o nível IV de habilitação (UEFA Pro) e um treinador adjunto, nível II de habilitação (UEFA Basic). A equipa técnica do Sporting não é assim constituída? E não foi assim que o Sporting inscreveu e registou o treinador principal e adjunto em conformidade com o Regulamento de Competições de Liga?
A situação de Rúben Amorim e do Sporting é inédita. Não, não é! O que parece ser inédito é o ataque a Rúben Amorim e ao Sporting, não se descortinando qualquer outro motivo que não seja a tentativa de incomodar por se sentirem incomodados pelos sucessos do clube e do seu treinador, numa atitude demonstrativa da sua mediocridade e consequente sentimento de inveja. A mediocridade e a inveja são resultado de uma evidente falta de nível!
Há treinadores de nível IV que não têm nível nenhum e há treinadores de nível II que têm elevado nível. Há homens com nível e outros sem nível nenhum... acima do mar!
Rúben Amorim nunca foi nem é associado desta ANTF, que nem coragem teve para se assumir como Sindicato, não obstante se definir como «a organização sindical dos treinadores de futebol portugueses e dos estrangeiros que exerçam a sua actividade em Portugal e que nela livremente se associem». É um homem livre e, vendo bem, deve ser essa a razão da perseguição de que é alvo. Gostaria de saber se os que tiveram ou têm essa situação, sem serem perseguidos, são ou não sindicalistas?
Este comportamento, mais fadista que sindicalista, trouxe-me à memória um fado cantado por César Morgado, numa casa de fados onde ia quando estudante da Faculdade, e que era desenvolvido a partir de uma quadra que reza assim:

De cada vez que te vejo,
Sinto um desejo canalha:
Beijar-te e marcar-te o beijo,
Co’ a ponta de uma navalha!


Adaptando-o a quem se levanta e adormece perturbado com o Rúben Amorim, diria:

Cada vez que nele pensar,
Sinto um desejo canalha:
Não beijar, mas castigar,
Co’a ponta de uma navalha!


Onde vai um vão todos. Mas, neste caso, apenas alguns, e sós, porque o nível é baixo! Muito baixo mesmo!...